Nas últimas semanas, o Los Angeles Times pôs em cheque a linha editorial da mídia brasileira. O jornal questionava o fato da imprensa brasileira se esquivar em reconhecer os avanços de um governo que tem 80% de aprovação da população.
O fato chama atenção não pelo possível caráter crítico que teria a imprensa brasileira – leia-se os veículos patronais da mídia, jamais os atores alternativos, os blogueiros independentes – mas ao fato dessa imprensa ser fortemente oligopolizada. Embora a legislação tenha sido criada para evitar isso, na realidade a prática é outra.
Pouquíssimas famílias são donas de meios de comunicação de massa e são as mesmas proprietárias desde a década de 1950, sempre com laços muito promíscuos com determinadas lideranças políticas (principalmente durante a ditadura civil-militar).
No Brasil, temos duas situações que são atípicas. Um é o seu caráter de rede. O outro é o fato de ter prevalecido a iniciativa privada sobre a pública na criação de Rádios e TV’s. Nacionalmente, existem 5 grandes redes que conseguem ser transmitidas em praticamente todos os estados brasileiros. Todas as suas “cabeças de rede” – nome dado à TV que controla a produção de conteúdo para as demais afiliadas – são concentradas no eixo Rio/São Paulo.
Daí surge o primeiro problema, a transmissão de conteúdo é extremamente concentrada no Sudeste. Quase toda a produção de conteúdo é feita a partir de notícias e iniciativas que acontecem nessa região. A partir dessas chamadas “cabeças de rede” é que se forma a “rede” propriamente dita. Não mostra-se o Brasil, mas o que as elites do centro do país querem que o brasileiro “comum” veja.
No Brasil, cada concessionário tem direito a 5 concessões de transmissão necessariamente em municípios diferentes. No entanto, cada uma delas pode retransmitir a programação de outra produtora. É assim que se formam as redes no país, embora as centrais estejam limitadas a 5 concessões, usam as concessões de outras para transmitir a sua programação de maneira praticamente oligopolizada.
Essa realidade prática já tinha sido observada pelo constituinte quando da promulgação do art. 220, §5º que diz: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” Ao contrário do que aconteceu na Europa, a TV no Brasil teve suas atividades iniciadas pela iniciativa privada. Do outro lado do continente, a TV sempre teve um caráter público e social. Trata-se, em grande parte, de uma regulação de mercado na qual o Direito Econômico brasileiro prega pela não concentração e proíbe a formação de oligopólios
O constituinte também atentava para tais problemas. Sinal disso foi a promulgação do art. 221 da constituição, que diz: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
Fora a desobediência a normas constitucionais evidentes, a radiodifusão hoje apresenta problemas que assolam ainda mais a liberdade de expressão. São dadas o direito a comunicação apenas a grandiosos conglomerados e empresários. A movimentos sociais, sindicatos, associações de bairro, ainda que sejam representativos e se disporem a uma programação verdadeiramente educativa, não são concedidas a possibilidade de manterem afiliadas e, dessa forma, produzirem conteúdo. Rádio e televisão são, dessa forma, verdadeiros privilégios dados a poderosos.
Outro problema é o verdadeiro tráfico de influência na obtenção das concessões. Em 2011, 56 parlamentares tinham concessão para radiodifusão no país. Desses 12 são do PMDB e 11 do Democratas (antigo PFL). Sabe-se que muitas das concessões foram dadas a parlamentares e lideranças políticas regionais em troca de apoio político. Quando Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, durante o governo Sarney, concedeu, quase que milagrosamente, 958 concessões, dentre elas as da TV Bahia (TV Globo), pertencente a sua família.
Qual o interesse nessas concessões? A possibilidade de exercer o chamado “coronelismo eletrônico”. Por meio das Radios e TV’s tais parlamentares podem direcionar a linha editorial contra adversários políticos, podem financiar suas campanhas com venda de espaços para comerciais bem como manter críticas e acusações contra si em silêncio.
Na Argentina, a "Ley de medios" (Ley 26.522 de Servicios de Comunicación Audiovisual) alterou significativamente a concentração de propriedades de veículos de mídia mídia. Com a lei, a mídia comunitária passou a contar com um espaço de 30%. Outro avanço da Ley foi a exigência de níveis mínimos da difusão de 70% de produção nacional, 30% de música nacional e 50% de música produzida de forma independente. O que incentiva a indústria musical argentina bem como promove e defende a cultura local.
Ao contrário, no Brasil, ainda temos de conviver com o, praticamente, monopólio da TV Globo, que controla 80% de toda a publicidade da mídia brasileira, verdadeira arma de barganha econômica utilizada para dirigir tanto a produção de conteúdo do país. Defesa da concorrência, que em qualquer outro setor da economia é visto como algo bastante natural e saudável, na mídia é logo pintado como censura. "Bela desculpa" de quem monopoliza um setor tão importante para o país. Não bastasse isso, as renovações de tais concessões são praticamente automáticas. Há anos afiliadas de redes de TV são de propriedade das mesmas pessoas. Isso é mais um sinal da oligopolização, vedada pela constituição, do setor.
Um dos pouquíssimos e mais emblemáticos caso de concessão não-renovada foi o da TV Excelsior na década de 1960, justamente por ela representar um dos poucos grupos nacionais de comunicação a não apoiar o golpe civil-militar.
Ao contrário, as concessões de TVs e rádios comunitárias são extremamente precarizadas. Primeiro, porque seu funcionamento é legalizado por autorização, que pode ser retirado a qualquer momento, e não por concessão, em que o concessionário tem maior segurança para o seu funcionamento. Além disso, seu funcionamento é usualmente criminalizado. A causa? Sua existência representaria uma ameaça aos grandes veículos, já que o controle de informações poderia atingir àqueles que usam da concessão pública um mecanismo de troca comercial para concentração e manutenção do poder.
Para tentar resolver essa e outras questões, e principalmente concretizar a regulação prevista pela Constituição, é que há alguns anos se discute um projeto para a regulação da mídia.
O ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, iniciou um anteprojeto para o assunto. O texto previa normas para que os setores público, privado e estatal fossem complementares. É previsto o fim da propriedade cruzada, na qual uma empresa não poderia ter veículos de diferentes mídias. Por exemplo, ter sob controle de somente uma empresa veículos de rádio, televisão e impressos.
Segundo o ex-ministro, essa e outras medidas tem o fim de efetivar a "Liberdade de imprensa, proibição de monopólio nos meios de comunicação e instalação de um conselho de comunicação social são pontos que constam na Constituição, bem como a proibição de se veicular shoppings eletrônicos e cultos religiosos na programação, algo que não é respeitado", disse.
Ultimamente, o atual ministro das comunicações, Paulo Bernardo, vem dando declarações no sentido de evitar o debate sobre a regulação da mídia. Tal postura vai contra o aprofundamento da democracia e é uma regressão do estágio do debate em que encontrava-se o assunto no Governo Lula.
Já que o ministro literalmente "sentou" sobre o anteprojeto, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação tem tentado levar o projeto a votação no Congresso pela via do projeto de iniciativa popular. Para tanto, o Fórum tem trabalhado para mobilizar 1,5 milhões de assinaturas que consigam fazer o anteprojeto começar a ser discutido pelo parlamento, já que o executivo tem se esquivado do debate.
A regulação da mídia não visa em nenhum momento à censura, não prevê restrições ao conteúdo produzido, mas tão somente à forma como são distribuídas as concessões bem como o seu atendimento aos preceitos constitucionais, que hoje são ostensivamente descumpridas. Atente-se ao caso de divulgação de falaciosos indícios, rapidamente tidos como escândalos – posto que paira sobre os grandes barões da mídia a soberba de donos de verdade, daquela falsa imparcialidade. Editorializa-se o conteúdo, manipula-se a verdade factual.
Exemplos são os mais diversos. Quem não lembra do episódio da "bolinha de papel" que atingira o então candidato Jose Serra às vésperas das eleições presidenciais de 2010. Ou a divulgação de uma "ficha policial" falsa sobre a hoje Presidenta Dilma Rousseff. Isso tudo pra não falar sobre a edição do debate presidencial do segundo turno das eleições de 1989 entre Collor e Lula. A edição, que favorecia o alagoano, o fez ganhar. O resultado dessa manobra todos nós conhecemos: o Impeachment.
A regulação da mídia não visa a censura, como é costumeiramente ouvido, já que não prevê restrições ao conteúdo produzido, mas tão somente à forma como são distribuídas as concessões bem como o seu atendimento aos preceito constitucionais, que hoje são ostensivamente descumpridas.
Informaão é poder. Assim, defendemos o marco regulatório da mídia, por ser norma expressamente constitucional, além de trazer enormes ganhos na democratização do acesso e da divulgação de informações. A regulação é o caminho para a ampliação democrática da liberdade de expressão.
A esperança é a luta para pressionar a correlação de forças no Executivo e no Legislativo, a coletar 1,5 mi de assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular, a ser levado ao Congresso Nacional.
¡C!