quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ressignificando a vadia: pelo direito à autonomia feminina!

"VADIA: pessoa que tem a coragem para viver a vida sob a ideia radical de que sexo deve ser legal, prazeroso e bom para qualquer ser humano"- Marcha das Vadias 2013

Durante o ano de 2011, em janeiro, após várias denúncias a respeito de casos de abuso sexual dentro do ambiente do campus, o oficial Michael Sanguinetti dá uma entrevista para a mídia encarando a problemática da seguinte forma: “Mulheres deveriam evitar se vestir como vadias para que não sejam vitimizadas” (“Women should avoid dressing like sluts in order not to be victimized”).  O absurdo da frase indignou as estudantes que se juntaram e acabaram por levar 3 mil pessoas a protestarem nas ruas, naquele mesmo ano, e denominando-se Slutwalk. O protesto era contra a culpabilização da vítima pela sua vestimenta e não do seu agressor pelo seu ato. A mobilização se espalhou por todo o mundo, e em julho chegava a São Paulo – assim como em Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, João Pessoa, Porto Alegre, Campinas, Fortaleza e várias outras cidades do Brasil. Em São Paulo, a mobilização ocorreu para que mulheres marchassem pela rua Augusta reivindicando ser VADIAS.

Contudo, a reivindicação pela palavra Vadia não se dava no mesmo sentido que aquele usado pelo policial de Toronto. A busca pela ressignificação de termos era justamente a de retirar a carga pejorativa dessa palavra. Fazia-se necessária, para aquelas mulheres, uma demonstração de que o machismo se utilizava de um termo para descrevê-las de modo a inferiorizá-las por suas vestimentas e por culpabilizá-las de um crime que somente era tipificado pela caracterização opressora da sociedade: serem mulheres livres.

Há de se ressaltar que a construção social do gênero efetua na sociedade uma divisão sexual do trabalho produtivo e reprodutivo. Este último, não valorizado, invisibilizado e condicionado sempre a delimitar a atuação da mulher somente no espaço privado. A sociedade faz com que a mulher acredite que a sua ocupação só compete a este espaço. O movimento feminista, com suas sucessivas vitórias ao longo do séc. XX, dá às mulheres a possibilidade, até então remota, de ocupar o espaço público. Porém, como não pertencentes “naturais” desse espaço, não conseguem ser vistas enquanto sujeitos destes. Esse processo faz com que a objetificação do corpo das mulheres impregne seus cotidianos com assédios morais e sexuais de todas as formas.

Constantemente assediadas, a maioria das mulheres passa a ter no seu dia a dia situações de vulnerabilidade e incômodo. Situações como andar na rua, utilizar-se do transporte público, trabalhar, ir a festas passam a ser desgastantes psicologicamente e inclusive fisicamente para a maioria das mulheres. E a culpa, muitas vezes quando estas recorrem a ajuda, é posta na sua maneira de se vestir, no comprimento da sua saia, no comportamento sexual... Nunca naqueles que as agridem e as violentam conscientemente.

Dentro de uma lógica de uma cultura do estupro que cada vez mais cresce devido a esse raciocínio de culpabilização da vítima, só no ano de 2012, 12.866 estupros foram registrados pela polícia paulista e a cada dia 2.175 brasileiras telefonam para o 180 denunciando agressões físicas. Daí a intenção do surgimento de um Movimento que defenda a autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo e negue sua culpa em relação às violências sexuais, morais e domésticas que sofrem.

Por acreditar que não existem vadias, nem santas, mas sim mulheres com diversas maneiras de expressar sua personalidade e sexualidade, o Coletivo Contraponto convida a todas e todos a participar da Marcha das Vadias de São Paulo, que ocorrerá no dia 25 de maio, sábado, às 14hrs na Praça do Ciclista. Defender a liberdade e autonomia das mulheres na sua afirmação dos sujeitos que desejarem ser é buscar uma sociedade mais igualitária, tolerante e segura para todas e todos. 

Lugar de mulher é onde ela quiser!

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Balanço relativo às deliberações da última Assembleia Geral dos Estudantes

A última Assembleia Geral dos Estudantes foi bastante proveitosa em suas deliberações. O movimento estudantil demonstrou maturidade ao propor para a Congregação reformas institucionais que efetivamente visam a democratizar as instâncias deliberativas de nossa Faculdade. Acreditamos que é por via do empoderamento dos estudantes e trabalhadores que efetivamente podemos conquistar vitórias reais. A aprovação das propostas de três comissões paritárias pela AGE, ou seja, espaços onde estudantes, trabalhadores e funcionários tem o mesmo peso decisório, já são importantes vitórias.

A primeira é a Comissão relativa à nomeação das salas hoje sem nome (somam-se atualmente 5). Mais do que uma mera formalidade, os nomes de salas tem uma profunda força simbólica. Representam quais trajetórias e condutas devem ser lembradas e qual a avaliação que o Largo de São Francisco faz de sua história. A ausência de nomes femininos nas salas não é um fato gratuito. A falta de homenagens a estudantes desaparecidos e mortos pelo regime militar também não. Uma comissão com essa função é importantíssima para que possamos democratizar também os valores que achamos mais adequados de serem propagados e eternizados.

A segunda Comissão é a de acompanhamento do Orçamento Público. Sabemos que não há somente um problema de falta de verbas públicas e os recursos públicos muitas vezes são geridos de forma sistematicamente ineficiente. Boa parte das verbas que chegam para nossa Faculdade não são nem mesmo executadas, sendo uma das explicações para isso a ausência de uma fiscalização concreta das pessoas diretamente interessadas. Um espaço em que estudantes possam assumir essas funções aprofunda bastante nossa capacidade de crítica e de intervenção propositiva na gestão pública.

A última Comissão é a de regulamentação dos investimentos privados. Apoiada pelo Coletivo Contraponto, ela não se trata de um incentivo à privatização da Univesidade pública, como falaciosamente foi propagado por alguns setores. A comissão visa a criar mecanismos paritários de controle contra investimentos abusivos e que sejam contrários ao projeto de universidade que consideramos o mais adequado. No limite, os estudantes e trabalhadores poderão livremente vetar "doações"  quando for necessário. Não há porque ter medo de empoderar estudantes e trabalhadores por meio de um instrumento com maior participação e, consequentemente, maior transparência. É por meio de um real fortalecimento da participação institucional dos estudantes que podemos efetivamente alterar a realidade posta. Protestos e palavras de ordem nunca bastaram.

As deliberações da AGE não devem encerrar as discussões e os debates. A questão é garantir que elas sejam aprovadas na Congregação e devidamente efetivadas. O Coletivo Contraponto acredita num movimento estudantil sóbrio, consciente e responsável. Essas vitórias, na nossa avaliação, dão materialidade à construção que consideramos mais correta.

Na Assembleia foi também denunciado que uma pessoa estaria filmando as pessoas votarem sem a autorização destas. Consideramos essa postura uma violência bastante desrespeitosa, que deve ser inclusive repudiada pelos mais amplos setores do movimento estudantil e da comunidade acadêmica.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Nota do Coletivo Contraponto sobre a doação com encargo do IBDT

A recente proposta do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) de doação de recursos para a reforma da atual sala Frederico Steidel seguida de sua renomeação para Ruy Barbosa Nogueira tem causado bastante discussão entre os estudantes, professores e trabalhadores de nossa Faculdade. O Coletivo Contraponto, nessa questão, se posiciona contra essa doação.

Primeiramente, não consideramos a homenagem ao antigo diretor Ruy Barbosa Nogueira em si indevida. Além de ter sido um eminente tributarista, ele foi um professor e diretor que muitas vezes atuou politicamente para proteger estudantes que resistiam democraticamente ao regime militar. Numa Faculdade historicamente conservadora, em que muitos professores colaboraram com a ditadura instaurada em 1964, tal ação já é suficiente para tamanha reverência. Outro ponto importante de ser levantado é que a estrutura física da nossa Faculdade tem sim problemas bastante graves. A questão é que o presente episódio revela outros dois problemas muito sérios: a ausência de democracia nos órgãos decisórios de nossa Faculdade e a ausência de regulamentação dos investimentos privados.

É bastante complicado que o poder econômico possa intervir sem quaisquer parâmetros pré-estabelecidos. O juízo de conveniência e oportunidade é dado de forma completamente discricionário por uma Congregação em que há apenas 4 estudantes e 3 funcionários num universo de mais de x membros. Isso permite que as mais variadas doações com encargos sejam aprovadas ou não necessariamente sem o devida participação da comunidade acadêmica. O investimento privado muitas vezes busca pautar as prioridades pedagógicas e violar a autonomia unirsitária. Sem um marco regulatório e a devida discussão com as três categorias componentes da Universidade (professores, funcionários e estudantes), permitir a doação com encargo nesse caso concreto é um decisão apressada e autocrática, que pode gerar inclusive um precedente perigoso.

Outro ponto a ser levantado é que a nomeação das salas ainda não batizadas (atualmente são cinco) devem ser amplamente discutidas com a coletividade acadêmica. Mais do que uma mera formalidade, elas possuem uma profunda mensagem simbólica. Não é gratuito o fato de não existirem salas com nomes de mulheres ou de estudantes perseguidos e mortos por regimes totalitários. A escolha desses nomes então deve ocorrer por meio de um amplo e profundo debate e com participação efetiva também das três categorias anteriormente citadas na sua deliberação.

Nesse sentido, reafirmamos nossa oposição a doação com encargo do IBDT e defendemos que os investimentos privados sejam administrados por uma comissão tripartite formada paritariamente por representantes dos professores, funcionários e estudantes eleitos de forma democrática. Também acreditamos que os nomes de sala devem ser escolhidos por outra comissão nos mesmos moldes.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Regulação da mídia: censura ou liberdade de expressão?


Nas últimas semanas, o Los Angeles Times pôs em cheque a linha editorial da mídia brasileira. O jornal questionava o fato da imprensa brasileira se esquivar em reconhecer os avanços de um governo que tem 80% de aprovação da população.

O fato chama atenção não pelo possível caráter crítico que teria a imprensa brasileira – leia-se os veículos patronais da mídia, jamais os atores alternativos, os blogueiros independentes – mas ao fato dessa imprensa ser fortemente oligopolizada. Embora a legislação tenha sido criada para evitar isso, na realidade a prática é outra.

Pouquíssimas famílias são donas de meios de comunicação de massa e são as mesmas proprietárias desde a década de 1950, sempre com laços muito promíscuos com determinadas lideranças políticas (principalmente durante a ditadura civil-militar).

No Brasil, temos duas situações que são atípicas. Um é o seu caráter de rede. O outro é o fato de ter prevalecido a iniciativa privada sobre a pública na criação de Rádios e TV’s. Nacionalmente, existem 5 grandes redes que conseguem ser transmitidas em praticamente todos os estados brasileiros. Todas as suas “cabeças de rede” – nome dado à TV que controla a produção de conteúdo para as demais afiliadas – são concentradas no eixo Rio/São Paulo.

Daí surge o primeiro problema, a transmissão de conteúdo é extremamente concentrada no Sudeste. Quase toda a produção de conteúdo é feita a partir de notícias e iniciativas que acontecem nessa região. A partir dessas chamadas “cabeças de rede” é que se forma a “rede” propriamente dita. Não mostra-se o Brasil, mas o que as elites do centro do país querem que o brasileiro “comum” veja.

No Brasil, cada concessionário tem direito a 5 concessões de transmissão necessariamente em municípios diferentes. No entanto, cada uma delas pode retransmitir a programação de outra produtora. É assim que se formam as redes no país, embora as centrais estejam limitadas a 5 concessões, usam as concessões de outras para transmitir a sua programação de maneira praticamente oligopolizada.

Essa realidade prática já tinha sido observada pelo constituinte quando da promulgação do art. 220, §5º que diz: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” Ao contrário do que aconteceu na Europa, a TV no Brasil teve suas atividades iniciadas pela iniciativa privada. Do outro lado do continente, a TV sempre teve um caráter público e social. Trata-se, em grande parte, de uma regulação de mercado na qual o Direito Econômico brasileiro prega pela não concentração e proíbe a formação de oligopólios

O constituinte também atentava para tais problemas. Sinal disso foi a promulgação do art. 221 da constituição, que diz: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

Fora a desobediência a normas constitucionais evidentes, a radiodifusão hoje apresenta problemas que assolam ainda mais a liberdade de expressão. São dadas o direito a comunicação apenas a grandiosos conglomerados e empresários. A movimentos sociais, sindicatos, associações de bairro, ainda que sejam representativos e se disporem a uma programação verdadeiramente educativa, não são concedidas a possibilidade de manterem afiliadas e, dessa forma, produzirem conteúdo. Rádio e televisão são, dessa forma, verdadeiros privilégios dados a poderosos.

Outro problema é o verdadeiro tráfico de influência na obtenção das concessões. Em 2011, 56 parlamentares tinham concessão para radiodifusão no país. Desses 12 são do PMDB e 11 do Democratas (antigo PFL). Sabe-se que muitas das concessões foram dadas a parlamentares e lideranças políticas regionais em troca de apoio político. Quando Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, durante o governo Sarney, concedeu, quase que milagrosamente, 958 concessões, dentre elas as da TV Bahia (TV Globo), pertencente a sua família.

Qual o interesse nessas concessões? A possibilidade de exercer o chamado “coronelismo eletrônico”. Por meio das Radios e TV’s tais parlamentares podem direcionar a linha editorial contra adversários políticos, podem financiar suas campanhas com venda de espaços para comerciais bem como manter críticas e acusações contra si em silêncio.

Na Argentina, a "Ley de medios" (Ley 26.522 de Servicios de Comunicación Audiovisual) alterou significativamente a concentração de propriedades de veículos de mídia mídia. Com a lei, a mídia comunitária passou a contar com um espaço de 30%. Outro avanço da Ley foi a exigência de níveis mínimos da difusão de 70% de produção nacional, 30% de música nacional e 50% de música produzida de forma independente. O que incentiva a indústria musical argentina bem como promove e defende a cultura local.

Ao contrário, no Brasil, ainda temos de conviver com o, praticamente, monopólio da TV Globo, que controla 80% de toda a publicidade da mídia brasileira, verdadeira arma de barganha econômica utilizada para dirigir tanto a produção de conteúdo do país. Defesa da concorrência, que em qualquer outro setor da economia é visto como algo bastante natural e saudável, na mídia é logo pintado como censura. "Bela desculpa" de quem monopoliza um setor tão importante para o país. Não bastasse isso, as renovações de tais concessões são praticamente automáticas. Há anos afiliadas de redes de TV são de propriedade das mesmas pessoas. Isso é mais um sinal da oligopolização, vedada pela constituição, do setor.

Um dos pouquíssimos e mais emblemáticos caso de concessão não-renovada foi o da TV Excelsior na década de 1960, justamente por ela representar um dos poucos grupos nacionais de comunicação a não apoiar o golpe civil-militar.

Ao contrário, as concessões de TVs e rádios comunitárias são extremamente precarizadas. Primeiro, porque seu funcionamento é legalizado por autorização, que pode ser retirado a qualquer momento, e não por concessão, em que o concessionário tem maior segurança para o seu funcionamento. Além disso, seu funcionamento é usualmente criminalizado. A causa? Sua existência representaria uma ameaça aos grandes veículos, já que o controle de informações poderia atingir àqueles que usam da concessão pública um mecanismo de troca comercial para concentração e manutenção do poder.

Para tentar resolver essa e outras questões, e principalmente concretizar a regulação prevista pela Constituição, é que há alguns anos se discute um projeto para a regulação da mídia. 

O ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, iniciou um anteprojeto para o assunto. O texto previa normas para que os setores público, privado e estatal fossem complementares. É previsto o fim da propriedade cruzada, na qual uma empresa não poderia ter veículos de diferentes mídias. Por exemplo, ter sob controle de somente uma empresa veículos de rádio, televisão e impressos.

Segundo o ex-ministro, essa e outras medidas tem o fim de efetivar a "Liberdade de imprensa, proibição de monopólio nos meios de comunicação e instalação de um conselho de comunicação social são pontos que constam na Constituição, bem como a proibição de se veicular shoppings eletrônicos e cultos religiosos na programação, algo que não é respeitado", disse.

Ultimamente, o atual ministro das comunicações, Paulo Bernardo, vem dando declarações no sentido de evitar o debate sobre a regulação da mídia. Tal postura vai contra o aprofundamento da democracia e é uma regressão do estágio do debate em que encontrava-se o assunto no Governo Lula.

Já que o ministro literalmente "sentou" sobre o anteprojeto, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação tem tentado levar o projeto a votação no Congresso pela via do projeto de iniciativa popular. Para tanto, o Fórum tem trabalhado para mobilizar 1,5 milhões de assinaturas que consigam fazer o anteprojeto começar a ser discutido pelo parlamento, já que o executivo tem se esquivado do debate.

A regulação da mídia não visa em nenhum momento à censura, não prevê restrições ao conteúdo produzido, mas tão somente à forma como são distribuídas as concessões bem como o seu atendimento aos preceitos constitucionais, que hoje são ostensivamente descumpridas. Atente-se ao caso de divulgação de falaciosos indícios, rapidamente tidos como escândalos – posto que paira sobre os grandes barões da mídia a soberba de donos de verdade, daquela falsa imparcialidade. Editorializa-se o conteúdo, manipula-se a verdade factual.

Exemplos são os mais diversos. Quem não lembra do episódio da "bolinha de papel" que atingira o então candidato Jose Serra às vésperas das eleições presidenciais de 2010. Ou a divulgação de uma "ficha policial" falsa sobre a hoje Presidenta Dilma Rousseff. Isso tudo pra não falar sobre a edição do debate presidencial do segundo turno das eleições de 1989 entre Collor e Lula. A edição, que favorecia o alagoano, o fez ganhar. O resultado dessa manobra todos nós conhecemos: o Impeachment.

A regulação da mídia não visa a censura, como é costumeiramente ouvido, já que não prevê restrições ao conteúdo produzido, mas tão somente à forma como são distribuídas as concessões bem como o seu atendimento aos preceito constitucionais, que hoje são ostensivamente descumpridas.

Informaão é poder. Assim, defendemos o marco regulatório da mídia, por ser norma expressamente constitucional, além de trazer enormes ganhos na democratização do acesso e da divulgação de informações. A regulação é o caminho para a ampliação democrática da liberdade de expressão.

  A esperança é a luta para pressionar a correlação de forças no Executivo e no Legislativo, a coletar 1,5 mi de assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular, a ser levado ao Congresso Nacional.  ¡C! 


Vale-cultura para quem? subsídio cruzado e acesso à cultura


Em um futuro próximo vamos nos deparar com cinemas, teatros, e livrarias mais cheios. É o que geralmente ouvimos dizer sobre o vale-cultura, o novo programa do governo federal que visa à dirimir o subconsumo de cultura no país. A recém-empossada da pasta, Marta Suplicy, em uma explicação simples, disse que o vale-cultura seria como os vales transporte e alimentação, porém destinados a produtos culturais e humanísticos. Ainda que sancionada pela presidenta Dilma em dezembro passado, a generalidade que paira sobre a proposta se manterá até o fim do prazo para sua regulamentação.

Considerada uma política cultural inovadora no pais, o vale-cultura foge da linha adotada até então pelo governo, a saber, de fomentar a produção. Atualmente tal fomento advém de dois meios principais. O primeiro deles consiste nos diversos editais lançados pelo Ministério da Cultura (MinC), geralmente para viabilizar a produção cultural marginalizada no grande mercado. A eficácia desse mecanismo já é bastante discutível, pelos próprios critérios dos editais e por atender parte ínfima da produção artística do circuito não-comercial brasileiro. Muitas ideias, assim, acabam só no papel.

O segundo mecanismo é o patrocínio via isenção fiscal, por meio da Lei Rouanet, surgida no contexto neoliberal de subsidiar produções de grande atratividade mercadológica. É dinheiro que deixa de ser arrecadado para que se financie empreendimentos culturais tidos como rentáveis. Exemplo flagrante disso foi o caso do Cirque du Soleil. Com preços de R$ 50,00 a R$ 360,00, inacessíveis para a grande maioria, foram liberados pelo MinC R$ 9,4 milhões para a vinda do espetáculo "Saltimbanco", pariocinado pelo banco Bradesco.

A inovação do vale-cultura vem justamente de sua atuação na outra ponta do mercado, no consumo: disponibilizará R$ 50,00 para os trabalhadores celetistas que ganham até 5 salários mínimos (excluindo estagiários e aposentados). Prevista para ter a regulamentação dentro dos próximos 180 dias, ao privilegiar o consumo, essa política tem como objetivo a promoção e a democratização do acesso das classes mais baixas a bens culturais. Assim, as empresas que aderirem ao projeto vão bancar, sob isenção fiscal de até 1%, R$ 45,00, descontando os R$5,00 restantes do salário do trabalhador.

Quanto mais rica uma família, maiores são os seus gastos com produtos culturais. Estima-se, segundo o IBGE, que uma família sem um membro com curso superior gasta R$ 20,00 por mês nesse mercado, ao passo que, se houver uma pessoa com curso superior, esse gasto já sobe para R$ 160,00 mensais, como bem pontua Pablo Ortellado, em artigo recente sobre o tema. Nesse cenário, o vale cultura entraria como um grande oportunidade de, além de ampliar o acesso, aquecer um mercado até então inacessível a uma parcela considerável da população: o Estado injetaria cerca de R$ 7 bilhões ao ano, com previsão de 1 milhão de beneficiados diretos. Contudo esses números podem aumentar dependendo da adesão das empresas e trabalhadores.

Mas antes de bater palmas devemos levantar algumas questões pertinentes. Um pressuposto advindo do conceito amplo de cultura, denominado "antropológico" e adotado pelo ministério de Gilberto Gil é o de que ao Estado não cabe o papel de prescrever qual a cultura considerada aceitável ou inaceitável ao fomento. Isso evita abordagens paternalistas ou até mesmo preconceituosas do Estado em relação às manifestações culturais de seu povo. Seria um gesto de franco elitismo, por exemplo, negar o consumo de produtos ditos de "baixa cultura" segundo a estética das classes dominantes. Os trabalhadores, deste modo, têm tanto direito de consumir funk ou pagode quanto um concerto na Sala São Paulo, símbolo do pedante elitismo cultural que se apossa da mentalidade paulistana. 

A questão da autonomia de escolha dos beneficiados, no entanto, não deve justificar e tampouco ofuscar os problemas mais sérios que o vale-cultura corre o risco de ter. O ponto crucial está em que tipo de mercado o Estado deve interferir e sobre o que, precisamente, pretende deslocar sua subvenção. O projeto, que deve ser regulamentado por uma "equipe técnica especialista" até julho, repete o processo de elaboração legislativa, em que os diferentes grupos de interesse interferem com seu lobby. No caso, são as grandes empresas que mediam o consumo de cultura no país. Após a sanção da Lei se inicia uma verdadeira corrida entre os setores interessados, enquanto a ministra Marta viaja pelo país para negociar os pontos da regulamentação.

Declarações recentes de Marta, nesse sentido, trouxeram à tona uma parcela no mínimo curiosa desse conflito. Em entrevistas recentes, surpreendeu ao dizer que o programa também poderia ser utilizado para pagar pacotes mensais de televisão por assinatura, voltando atrás duas semanas depois. Por maior liberdade de escolher o que consumir que tenham os trabalhadores, a questão reside na escolha política do Estado de fomentar mais ainda a concentração de mercado ou não. Em especial no concernente à televisão paga, cujo mercado tem como característica mais notável a forte concentração de poder das grandes empresas de telecomunicações que aqui atuam, a céu aberto, em regime de oligopólio. Somente as organizações globo seriam agraciadas com cerca de 25% de cada vale usado para pagar a televisão. Quem, afinal, seriam os maiores beneficiados do programa? 

Uma política pública deve sempre vir no intento de contemplar interesses que ecoem diretamente ou indiretamente para o avanço da sociedade. O vale-cultura avança, mas dentro de seus limites. Resta torcer para que o verdadeiro beneficiado seja o trabalhador (e, em última instância, a sociedade), e não a indústria autoral ou as grandes empresas de telecomunicações, que já nos dão muitos problemas para a aprovação da nova Lei de Direitos Autorais e do Marco Civil da Internet em outras "corridas" legislativas. E já foi dada a largada. ¡C! 



¡Para saber mais


Lei do vale-cultura: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12761.htm

"O vale-cultura e a tutela dos pobres", de Pablo Ortellado: http://www.culturaemercado.com.br/pontos-de-vista/o-vale-cultura-e-a-tutela-dos-pobres/

"O vale-cultura vale?", de Inácio Araújo: http://inacio-a.blogosfera.uol.com.br/2013/02/28/o-vale-cultura-vale/

O Globo: "Marta Suplicy volta atrás e diz que vale-cultura não valerá para TV paga": http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/03/marta-suplicy-volta-atras-e-diz-que-vale-cultura-nao-valera-para-tv-paga.html


Eduardo Campos: a novidade oposicionista?



Uma das novidades mais comentadas pela grande imprensa na política nacional é a possível candidatura do governador de Pernambuco Eduardo Campos do emergente PSB. Tratado pela mídia como gestor inovador e grande articulador político foi de fiel aliado do governo Dilma a grande aposta da oposição para 2014, mesmo sem ter ainda hoje deixado a base aliada do governo federal. Uma trajetória errante que resume bem a falta de clareza programática da oposição no Brasil.

Lançado na política pelo seu avô, o ex-governador Miguel Arraes, Campos ganhou destaque regional como Secretário da Fazenda na terceira gestão de Arraes (1995-1998) em seu estado. Seu avô era considerada uma importante liderança nacional da esquerda, tendo feito inclusive pioneiramente Reforma Agrária e obras de eletrificação rural em meados da década de 1960. Cassado pela ditadura militar, Arraes foi preso e posteriormente exilado na Argélia. Com a redemocratização, apoiou as candidaturas de Lula em 1989, 1994 e 1998 desde o primeiro turno e em 2002 no segundo turno contra José Serra. Tanto Campos quanto Arraes, nesse sentido,  eram bastante identificados com o campo petista.

Eduardo Campos ganha destaque nacional quando em meio a maior crise de instabilidade política dos governos petistas, a chamada “crise do Mensalão” em 2005, ele depõe como testemunha de defesa do ex-ministro José Dirceu (PT). Tal fidelidade cacifa-o para, no mesmo ano, assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2006 é alçado candidato a governador de Pernambuco sob a égide da imagem de seu avô, falecido um ano antes, com apoios que iam de Severino Cavalcanti, folclório ex-presidente da Câmara dos Deputados, ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). No segundo turno, derrota o candidato apoiado pelo hoje aliadíssimo Jarbas Vasconcelos, outrora inimigo ferrenho, graças ao apoio de Lula e do PT (nessas eleições, Lula tinha conquistado mais de 80% dos votos válidos em Pernambuco).

No governo de Pernambuco, Eduardo Campos foi amplamente apoiado por verbas federais e muitas vezes foi a imprensa defender os governos petistas. Pernambuco foi um dos estados que mais recebeu verbas federais, sobretudo para a infra-estrutura e políticas sociais. Em 2010, foi reeleito em primeiro turno com mais de 80% dos votos, associando sua imagem exaustivamente a do então presidente Lula. Como recompensa, consegue emplacar o seu conterrâneo e aliado Fernando Bezerra Coelho como Ministro da Integração Nacional dp governo Dilma.

Com a enorme crise programática da oposição e os desgaste de setores fisiológicos que perderam bastante espaço no governo Dilma (PR, PTB e PDT) por conta de denúncias de corrupção, Campos a partir de 2012 se tornou uma forte alternativa a hegemonia nacional petista. Em primeiro lugar, por ser do Nordeste, região onde a oposição tradicional (PSDB e DEM) tem pouquíssima capilaridade e muita rejeição. Outro elemento de destaque em sua trajetória é que não participou, nem mesmo foi aliado do governo Fernando Henrique Cardoso, amplamente rejeitado pela população brasileira. Por fim, as lideranças nacionais da oposição tradicional demonstram-se bastante desgastadas ou não conseguem efetivamente pautar um discurso político de oposição. José Serra, candidato derrotado em 2002 e 2010, tem altíssimas taxas de rejeição em seu estado natal, São Paulo, e recentemente perdeu as eleições municipais na maior cidade do país para o estreante Fernando Haddad. Aécio Neves é um senador bastante apático e inexpressivo, sua postura incomoda fortemente setores do próprio PSDB.

A legenda de Eduardo Campos, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), do qual, inclusive, é presidente nacional, apesar do nome, não se difere da grande maioria dos partidos tradicionais. Não possui hoje mais nenhum viés programático de esquerda. Em 2010, o candidato do partido ao governo de Sâo Paulo foi, por exemplo, Paulo Skaff, empresário presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Dada a natureza fisiológica do PSB, Campos em 2012 passou a fazer alianças com setores oposicionistas e rodar o Brasil nas campanhas municipais. Para se fazer conhecido, em São Paulo subiu no palanque com Geraldo Alckimin na cidade de Campinas e em Minas Geraes esteve com Aécio Neves nas eleições em Belo Horizonte. Rompeu com o PT em várias cidades, sobretudo na região do Nordeste. Em Recife, lançou um ex-secretário com apoio do senador oposicionista Jarbas Vasconcelos. 

A partir desse ano, Campos subiu o tom dos ataques ao governo Dilma. Criticou as isenções fiscais dada a indústria automobilística e o financiamento da saúde, sem, contudo, ter feito nenhuma proposta concreta alternativa. Reuniu-se com uma série de lideranças de partidos de oposição e empresários. Algumas delas, como José Serra (PSDB), Agripino Maia (DEM) e Roberto Freire (PPS), já demonstram publicamente simpatia a Eduardo. Como Campos vai responder por ter apoiado durante mais de 10 anos as administrações petistas num momento em que elas tem altas taxas de aprovação? Isso contraditoriamente parece não ser um fato importante.

O que se percebe nesse caso é que tanto ele, quanto os outros pré-candidato de oposição (Aécio e Marina Silva), se apresentam apenas como nomes e não como plataformas programáticas. Questões como educação, saúde, política de desenvolvimento e relações internacionais simplesmente são ignoradas. O que se vê é que os setores efetivamente descontentes com o governo Dilma como grandes bancos e setores estrangeiros interessados na privatização do setor petrolífero se utilizam dos nomes colocados de forma velada, sem publicizar suas reais intenções. É como se as candidaturas fossem apenas táticas, meros instrumentos de uma política que não se coloca publicamente. Nesse sentido, o que a oposição busca é despolitizar as eleições presidenciais, colocando seus candidatos como se fosse uma concorrência entre nomes mais ou menos palatáveis ao grande público. ¡C! 

A violência de gênero de todo dia

             Principal tema dos atos públicos ocorridos no último 8 de março, quando se comemorou o Dia Internacional da Mulher, a violência contra a mulher parece, finalmente, ter ganhado a devida visibilidade. Nos últimos dez anos e, sobretudo, após a edição da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), o que se tem visto é uma crescente relevância dessa pauta histórica do movimento feminista em âmbito nacional.

            Isso porque é a partir de então que se começa a produzir uma maior quantidade de estudos sobre o quadro de violência – sobretudo a doméstica e sexual – contra a mulher existente no país e a se elaborar estatísticas mais específicas e apuradas sobre a situação em foco. Também é a partir daí que os mais variados meios de comunicação abriram maior canal para a discussão de tal problema social. Seguindo esse mesmo sentido, o número de denúncias de violência contra a mulher também aumentou expressivamente: em 2012, o serviço Ligue 180, do governo federal, registrou mais de 88 mil casos de agressão, refletindo um aumento de 600% em apenas 6 anos.

            Os dados que tal visibilidade revela, no entanto, são estarrecedores. Estima-se, hoje, que, a cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil e que, a cada duas horas, uma mulher morre vítima de violência no país. Três quartos dos casos de violência doméstica e sexual, ocorridos da infância até a terceira idade, tem como vítima as mulheres. Em vinte anos, o Mapa da Violência constatou que o número de homicídios femininos dobrou, registrando, em 2010, cerca de 4.600 mortes. Destes homicídios, 84,5% são cometidos por conhecidos.

            E não para por aí. Em se tratando de violência doméstica, dados do IBGE constataram que, a cada ano, um milhão de mulheres são vítimas desse tipo de violência no país. Novamente, na maioria das vezes (70%), os agressores são os próprios maridos, companheiros ou ex-companheiros. Ao longo da vida, 25% das mulheres brasileiras são ou foram vítimas de violência doméstica, esta que constitui a maior causa de morte e invalidez entre mulheres de 16 a 44 anos. Já em relação à violência sexual, o Sistema Único de Saúde (SUS) divulgou que chega a receber duas mulheres por hora vítimas de abuso sexual. Destas, cerca de 75% são crianças, adolescentes e idosas, revelando a relação direta entre abuso e a situação de vulnerabilidade especial desses grupos. E o mesmo se repete: em pelo menos 65% dos casos, o agressor é conhecido – é o padrasto, o pai, o namorado, o amante, o vizinho, o avô.

            Diagnóstico geral que pode ser feito a partir dos dados levantados é o fato de que cai por terra a ideia que de que a violência sofrida pela mulher é desvinculada de qualquer relação de poder estabelecida entre sexos. O caso da violência sexual é emblemático nesse sentido, vez que não raro permeia o imaginário social que a figura do estuprador é a do indivíduo desconhecido e psicopata disposto a atacar mulheres pelas ruas, sem possuir qualquer laço com sua vítima. Percebe-se, ao contrário, que as mulheres se encontram em situação de vulnerabilidade nas suas relações cotidianas, sendo vítimas de abusos praticados por pessoas muitas vezes queridas, o que torna, inclusive, imensamente mais difícil o ato de denunciar as diferentes agressões sofridas, tendo em vista todo o rompimento potencial da suposta ordem familiar, a mesma que, por outro lado, camufla e banaliza a violência.

            O que se vê, tanto no caso da violência física quanto sexual contra a mulher, é a ideia de naturalização das condutas criminosas em relações de abuso. Assim, as agressões físicas surgem como o exercício de um mero poder disciplinar e corretivo sobre a mulher, colocando-a “em seu devido lugar” e, sobretudo, não reconhecendo as suas demais dimensões para além de um corpo destinado a cumprir papéis idealizados na divisão sexual do trabalho: a de companheira asseada e, por que não, submissa. Ao se pensar na violência sexual, por sua vez, é bastante comum se observar algo que pode ser chamado de culpabilização da vítima, isto é, a ideia de que a mulher também foi, de certa forma, culpada pelo ato, pois teria provocado o instinto sexual, ou mesmo que ela teria consentido, mesmo que previamente. O agressor, no mais das vezes, todavia, é visto como inocente ou alguém que apenas teria lido as “entrelinhas” daquilo que a própria mulher sinalizava. Quando muito, é visto como alguém que errou, mas muito pontualmente.

            A ideia que parece estar por trás de todos esses dados é a presença ainda muito arraigada de um machismo estrutural que se dissemina em praticamente todas as relações de gênero. Subjuga-se a mulher e a conduz, na visão do agressor, a uma desumanização e consequente objetificação do seu ser em virtude dos instintos alheios: tanto o da agressividade quanto o da necessidade de satisfação sexual.
          
            É nesse sentido que se fazem mais importantes do que nunca os recentes mecanismos de visibilidade de toda a sorte de violência a que o gênero feminino está exposto e que perpassa pela mesma questão cultural aqui tratada – abrangendo, por exemplo, a exploração sexual ou as próprias agressões moral e psicológica. A Lei Maria da Penha, após toda uma história de violência extrema sobre a vítima e leniência do Estado brasileiro com a impunidade do caso –  o que levou, inclusive, à condenação do país frente à Corte Interamericana de Direitos Humanos –, reflete toda uma luta pela tipificação da violência doméstica e familiar contra a mulher enquanto tal e pela implementação de mecanismos efetivos de combate às agressões no âmbito do lar. O mesmo é possível dizer da incorporação, pela legislação penal brasileira, no ano de 2009, de outras práticas libidinosas não consensuais como pertencentes ao tipo estupro, que deixou de ser unicamente a “conjunção carnal”.

            É preciso que se continue criando políticas de enfrentamento à violência contra a mulher para que, na prática, a mulher conquiste sua autonomia plena. E, aqui, cabe lembrar do muito recente “Programa Mulher, Viver sem Violência”, que, se implantado com sucesso, será mais um desses passos importantes na luta contra a violência que oprime e mata diariamente. No entanto, somente isso não basta, há que haver o envolvimento de mulheres e homens na desconstrução da cultura social que permite que a violência contra a mulher se perpetue e se legitime através dos anos. O empoderamento social, a inclusão e a cidadania das mulheres requerem o fim da violência contra a mulher. O pessoal é, sim, político, e essa luta é de tod@s. ¡C! 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O mito da democracia racial no Brasil



  Os dados recentes da FUVEST para o vestibular de ingresso em 2013 demonstram claramente que a democracia racial é um mito a ser combatido no imaginário popular. Uma construção teórica que serviu de ferramenta política para mascarar um país com uma elite que nega-se, muitas vezes, a acertar a equação das oportunidades e da inclusão pela cidadania aos herdeiros do sistema escravagista. A universidade pública do país considerada a maior no mérito acadêmico reuniu somente 14% de negras e negros entre seus 11 mil calouros neste ano. Na carreira do Direito, dos 560 integrantes, 9% se declararam negros (http://bit.ly/11xch3g). Ao mesmo tempo, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) propõe um famigerado programa de suposta inclusão por “mérito” no ensino superior público estadual, opondo mais uma barreira ao ingressante de escola pública, posto que seria necessária uma “pré-graduação” de dois anos, em ensino semi-presencial, sem que haja quaisquer garantias de vagas na USP, na UNESP ou na UNICAMP – visto que o aluno terá de obter desempenho superior a 70%. A UNIVESP, outra criação tucana, é o ensino virtual, questionável do ponto de vista da qualidade acadêmica e, como disse o Ministro da Educação Aloizio Mercadante, contra o propósito fundamental da Lei Federal de Cotas, que é a promoção da diversidade étnica pela convivência entre diferentes dentro da universidade pública.

Ademais, estes dois anos a mais de Graduação, efetivamente, aumentariam a evasão escolar, uma vez que a enorme maioria dos egressos do ensino público (que hoje perfazem um quarto dos calouros uspianos, sendo que são 80% da composição do ensino médio paulista no geral) são filhos da classe trabalhadora, tendo depositado também as esperanças de ingresso no mercado de trabalho (quanto mais distante o resultado prático, menor a disposição de graduar-se). Os resultados da política de cotas são amplamente conhecidos: dadas as oportunidades, o ingressante pela reserva de vagas tem o mesmo desempenho, e muitas vezes supera o estudante ingresso pelo sistema regular. Uma equação de fácil explicação: muitas vezes, o cotista tem na universidade sua única oportunidade de romper o ciclo de pobreza, de “crescer na vida” – na maioria das vezes é o primeiro em sua família a cursar uma universidade. As cotas não foram pensadas para ajudar os negros a se conscientizarem. Sua consciência é forjada por eles próprios, em seu cotidiano, e com as dificuldades próprias de quem é socialmente negro para os olhos dessa mesma sociedade de herança escravagista. Elas servirão para educar, isto sim, as elites brancas – que agora terão de olhar os ex-escravos na mesma mesa, na mesma sala, na mesma escola.

A Lei nº 12.711, sancionada pela Presidenta Dilma em agosto passado, instituiu como política de Estado as cotas sociais e raciais nas universidades públicas federais; em 50% para alunos oriundos do Ensino Médio público, com recorte de 25% para àqueles com renda familiar per capita até 1,5 salário mínimo, e dentro dos 50% um recorte étnico conforme a composição de negros e indígenas de cada unidade federativa consoante o senso do IBGE. Além disso, estabelece um prazo de dez anos para possível revisão da política de ação afirmativa – que, nunca é demais lembrar, teve sua constitucionalidade questionada no STF na ADPF (Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 186, de autoria do Democratas, na época com seu bravateiro Demóstenes Torres. E o STF se pronunciou, unânime, na conformidade das ações afirmativas com cunho racial com a discriminação positiva prevista na Constituição. Ou seja, tratar os desiguais desigualmente, sob o escopo da promoção da igualdade de oportunidades. Há projetos em trâmite na Assembleia Legislativa paulista para a adoção de cotas sociais e raciais nas estaduais paulistas (PL 530/2004 e 321/2012). É ali que deve ser feita a batalha do jogo democrático, onde o povo está representado – não nos Conselhos Universitários, onde a estrutura de poder não permite sequer a participação paritária dos trabalhadores, estudantes e professores das próprias universidades.

                Deve-se pensar que a questão racial no Brasil não é pauta de direito de minorias, e sim uma questão que exclui metade do país. Nosso país tem maioria negra, 51%. É o segundo país, quantitativamente, com mais negros (menos apenas que a Nigéria). Contudo, só 6% dos negros tem diploma de universitário (número que era de 2% há quinze anos). Políticas públicas específicas para o combate ao racismo foram adotadas nos últimos anos. A criação da SEPPIR (Secretaria de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial), no primeiro ano do Governo Lula, com status e orçamento de ministério, por onde passaram Matilde Ribeiro, Edson Santos e hoje está Luiza Bairros. A aprovação de legislações afirmativas: a Lei que institui o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no Ensino Fundamental e Médio (Lei nº 10.639/2003, alterada pela 11.645/2008), alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), como mecanismo de estabelecer uma identidade política e cultural negra no país. O Estatuto da Igualdade Racial (em que pese as várias negociações ante o projeto original do Senador Paulo Paim PT/RS) foi institucionalizado em Lei (12.288/2010), com os dispositivos legais para a elaboração de políticas públicas afirmativas, também nos concursos públicos promovidos pelo Poder Público – ofertando, portanto, iguais oportunidades para suas carreiras.

Na questão dos quilombolas, o reconhecimento da propriedade que lhes é peculiar: em 20 de novembro de 2003 (dia da consciência negra), o Decreto 4.887 assinado pelo então presidente Lula regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Tal Decreto regulamentou o Art. 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), decisão política e legitimada pela soberania popular no Legislativo. Contudo, o marco teve a constitucionalidade questionada no STF por – adivinhem – o PFL (atual Democratas, alinhado à bancada ruralista), em 2004, na ADI nº 3.239. O Relator Cezar Peluso votou pela procedência, contra o direito dos quilombolas. A Mina. Rosa Weber pediu vista dos autos. O processo aguarda retorno há mais de um ano para o Plenário. Trata-se de agenda de lutas do movimento negro e dos movimentos populares em geral não permitir que o STF cometa este retrocesso na decisão política do povo brasileiro em regulamentar o acesso das comunidades quilombolas às terras que lhe são de direito. Para além disso, a priorização no estabelecimento de parcerias geopolíticas com a África, estratégicas do ponto de vista social e econômico, mas também no protagonismo Sul-Sul no plano político. Políticas como o ProUni, que dentre as 1,2 milhão de bolsas de estudo nas universidades particulares, concedeu 50% dessas vagas para negros e negras. Dos 40 milhões de brasileiros e brasileiras que atingiram a classe C nos últimos dez anos, 75% são negras e negros. Ao mesmo tempo, a desigualdade de renda é facilmente perceptível no que tange ao seu recorte racial: no Bolsa Família, 2/3 das mais de 16 milhões de famílias beneficiadas pela complementação da renda são “chefiadas” por negras ou negros.

No que tange ao aparato de segurança pública, o racismo mostra a sua face nas estatísticas do verdadeiro genocídio da população jovem negra das periferias urbanas. Consequência conhecida da cultura de impunidade histórica, nas violações perpetradas pelos antigos donos de escravos. O Brasil é o país em que a elite escravagista aprovou uma ‘lei para inglês ver’ (em 1831), abolindo o tráfico negreiro formalmente – fruto de tratado com a Inglaterra como mecanismo de reconhecimento da independência. Na prática, de 1808 até a Lei Euzebio de Queiroz (que extinguiu de vez o tráfico estrangeiro, com a nacionalização definitiva dos traficantes, indultados ilegalmente pelo Estado escravagista), entraram 1,4 mi de africanos – aproximadamente 1/3 dos que aqui aportaram desde o séc. XVI. E, após 1850, rumaram para o Sudeste e Sul, no tráfico interno de escravos, constituindo a concentração de capital necessária nas lavouras de café, para mais tarde servirem de bases para a industrialização. E foram os latifundiários escravagistas que constituíram o quadro de concentrada propriedade fundiária, alicerce da reprodução da miséria no pós-Abolição.

Os desafios estão elencados. As escolas ainda não implementaram o ensino da história e da cultura africanas. As tarefas na construção de um país socialmente justo, soberano e com igualdade de oportunidades, perpassam pelos desafios de se estimular a convivência entre a diversidade, o pluralismo de pontos de vista (principalmente no tocante ao acesso democrático à produção de conteúdo e à informação) e as condições materiais de crescimento e emancipação dos indivíduos mediante as oportunidades. O Estado e nossas instituições ainda estão permeados pelo racismo institucionalizado. Os negros não ocupam postos de poder político. A criança negra não tem exemplos para seguir como referência política. São irrisórios nos três poderes. São poucos nas chefias de empresa, na formulação política de partidos, sindicatos, movimentos... São menos ainda nas peças de publicidade (o argumento elitista dos publicitários é que historicamente, o negro não era consumidor – e as propagandas precisam forjar elementos que se pareçam com seu público) e nos canais de TV. E quando são, estão em posições subsidiárias, vide as novelas e os jornalísticos.

Fato é que o racismo institucionalizado é tarefa a ser combatido pela juventude no dia-a-dia, mediante novas formulações políticas e o estímulo ao protagonismo de novos atores, com outras cores, raças, classes... Não há democracia material sem solução da questão racial, não há cidadania para todos sem participação política dos negros.

                O Coletivo Contraponto convida todas e todos estudantes e trabalhadores para o evento sobre “O mito da democracia racial no Brasil”, a ser realizado na terça-feira, 14 de maio, às 19h00, no Pátio das Arcadas. Comporão a Mesa:

                - Matilde Ribeiro – Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 2003-08, e atual Secretária-Adjunta da SEPPIR municipal em SP;

                - Silvio de Almeida – Presidente do Instituto Luiz Gama e Doutor em Filosofia do Direito pela USP;

                - Flavinho – CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras);

                - Orlando Silva – atual Vereador pelo PCdoB/SP; Ministro dos Esportes 2006-11; e, 1º Presidente negro da UNE, entre 1995-97. (a confirmar)