sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Em Defesa do Programa Mais Medicos

Difícil imaginar que alguém seja contra utilizar uma ferramenta de política pública para direcionar a oferta de profissionais, principalmente quando o que está em cheque é área onde mais se denotam as desigualdades nos níveis de qualidade ofertados a quem tem menos renda. A saúde é campo onde mais fica evidente que o programa político da Constituição ainda não foi efetivado em sua plenitude. A ousadia de insculpir um Sistema Único, com atendimento universalizado para uma nação com 200 milhões de habitantes, sui generis como experiência mundial, também outorga ao Estado brasileiro um desafio que é o de oferecer nível similar de atendimento na rede pública ao que é ofertado em alguns hospitais onde Saúde é mercadoria a ser comprada.
O programa Mais Médicos, lançado pela gestão do Ministro Alexandre Padilha e encaminhado pelo Governo Federal ao Legislativo, busca solucionar ao menos um dos eixos dos problemas que ainda temos na concretização deste grande projeto de país que é o SUS. Busca, mediante política de incentivos na remuneração, e bonificação nos concursos de residência no caso dos graduandos, estabelecer médicos em regiões periféricas das grandes metrópoles e nas Regiões Norte e Nordeste, em cidades onde faltam médicos para o atendimento à população. Dados mostram que 1,5 mil municípios no Brasil tem menos de um médico por 3 mil habitantes. E 700 cidades não possuem profissionais. São rincões onde não há interesse comercial, onde não há a complexidade de tecnologia que os grandes centros possuem, atraindo capitais e profissionais especificamente em áreas que mais remuneram. E esta é a lógica do currículo do curso de Medicina hoje no Brasil: formar especialistas, privilegiando-se já nos dois últimos anos a especialização de alta complexidade (de reparação, de cirurgia, de tratamento da doença) visando uma vaga nas concorridíssimas residências, pensando já nos polpudos salários que mercado de trabalho oferece. Privilegia-se o profissional especialista em áreas comercialmente interessantes, em detrimento do atendimento preventivo a enfermidade, da atenção básica, com o médico perto de onde mora o paciente, acompanhando a evolução de seu quadro – vale dizer, uma medicina de baixo custo e alto resultado
O retrato da Graduação hoje é o diagnóstico, além de tudo, do investimento em um Sistema caro, pois não buscando prevenir a doença, mas sim curá-la. E a formação do médico tem particular ressonância nisso, posto as demandas do Sistema Único não serem as prioridades do eixo político-pedagógico dos cursos oferecidos nos bancos universitários. O Mais Médicos acerta, pois, ao ampliar a Graduação em dois anos de estágio no Sistema Único, como mecanismo de ampliar a formação de um médico especialista, não só na técnica, mas em gente humana (e evitar a especialização precoce). Inclusive esses graduandos vão atuar no Programa Saúde da Família (PSF), onde os médicos acompanham o paciente perto dos locais onde eles moram, estabelecendo uma relação pessoal com paciente, e de acompanhamento na prevenção. O PSF, com lógica completamente inovadora no trato com o paciente, hoje padece da falta de profissionais, até por demandar dos profissionais dedicação de jornada de 40 hrs (sendo que uma das características da categoria hoje são os vários vínculos empregatícios dos médicos. Hoje o PSF tem 37 mil equipes, e demandaria para pensar em uma universalização, de 50 mil equipes médicas. O estudante de medicina vai atuar na Rede SAMU, de atendimento de emergência. Esse estágio será remunerado, de 3 a 8 mil reais (que curso propicia tal remuneração a um estudante ainda não graduado?).
Importante dizer também que o curso de Medicina, bem como outros cursos que ofertam possibilidades de maior remuneração, são elitizados em sua composição de classe: dados que não há sequer um negro ingressante no curso da USP em 2013, e 2% egresso da escola pública no curso da UNESP – vale lembrar que 80% dos formandos no Ensino Médio são matriculados no ensino público em SP. São estudantes, muitas vezes, que nunca tiveram contato com o atendimento público de saúde, pelo privilégio de contarem com bons seguros a lhes propiciaram a oferta das melhores vagas no atendimento na rede privada. Eles têm sorte nisso, mas também responsabilidades na mudança social.
É, portanto, contato com outra realidade social. Trata-se de uma extensão ao curso visando também formar um profissional com juízo crítico, conhecedor da realidade cotidiana do Sistema Único; e com consciência política de suas responsabilidades e tarefas como profissional num país de desigualdades no atendimento à Saúde como o Brasil. Objetiva, também, estimular a contrapartida ao financiamento dos estudos que se traduzem em bolsas na Graduação ou financiamentos subsidiados (ProUni e FIES), e mesmo o curso nas universidades públicas. Traduz-se no mínimo que o jovem graduando retribui ao todo da sociedade pelas oportunidades de trabalho que surgem de sua formação em Medicina.
O Mais Médicos vem com investimentos para a criação de 11 mil vagas em universidades federais, priorizando as regiões interiores e no Norte e Nordeste para instalação dos campi. Aliás, essa é uma característica que ilustra a falta de médicos no Brasil: são ofertadas 17 mil vagas nos exames vestibulares, todos os anos. Pra uma procura de 200 mil vestibulandos. Como exemplo, a Espanha, que tem índice de 4 médicos por mil habitantes. Para atingir esse índice precisaríamos alavancar para 29 mil vagas: hoje, o diagnóstico é que temos menos médicos e oferecemos menos vagas nos cursos universitários. Só que, implantado a partir de 2015, esses estudantes só se graduarão dentro de vários anos. E o problema da ausência de profissionais em áreas prioritárias não pode esperar. Então, serão atraídos médicos (mediante bolsa de 10 mil reais, mais auxílio moradia inicial de um a três vencimentos) para essas regiões. Preferencialmente, as vagas são ocupadas em edital aos profissionais brasileiros, depois brasileiros formados no exterior, e aí então (se ainda houver demanda de profissionais) são chamados médicos estrangeiros, para atuar exclusivamente no âmbito do Mais Médicos (e não na rede privada, portanto não há qualquer “concorrência” com profissionais nativos). Esses médicos cumprirão requisitos de fluência em língua portuguesa, graduação em um país com mais médicos por habitante do que a média brasileira (no geral 1,8 por mil habitantes), e serão acompanhados e avaliados com supervisão das universidades e secretarias de Saúde. Importante dizer que a exigência do Revalida para regularizar os diplomas não cumpre o papel urgente de deslocar médicos pra áreas carentes de profissionais: exame de 2010 aprovou só dois em 600 inscritos. Não há qualquer critério para se estabelecer verdadeiras reservas de mercado injustificáveis, defendidas corporativamente por algumas entidades de médicos.
No que tange a certa aversão das entidades de classe, e aos protestos contra a vinda de médicos estrangeiros, só cabe dizer que é fruto de preconceito deduzido da ignorância causada pela desinformação propositalmente causada em boa parte das grandes mídias (em sua cobertura enviesada visando deslegitimar o programa sem debate); e nas redes sociais – veículo muito utilizado por médicos e estudantes de medicina, ainda pouco difundida no cotidiano dos usuários contumazes do Sistema Único. Atente-se que os protestos contaram até com figurantes, e tinham notadamente uma composição de classe e cor. Atente-se também que foram realizados nos grandes centros, sem qualquer reclamação nas periferias e nos pequenos e médios municípios que são o escopo do Mais Médicos. Aliás, a demanda por médicos é real dos Prefeitos e Prefeitas dos pequenos e médios municípios há muito tempo: deixa-se de abrir unidades de atendimento, com recursos conveniados do Ministério da Saúde, pela impossibilidade de preenchimento das mesmas com profissionais da saúde. Atente-se que não há qualquer “protesto” dos usuários contumazes do Sistema Único de Saúde a iniciativa do Mais Médicos. Denota-se, sobretudo, a falta de propostas das entidades classistas no aprofundamento da qualidade do Sistema Único, a cair no sempre vago argumento do financiamento, que serve (muitas vezes) para simplesmente se imiscuir de responsabilidades.
Obviamente que os outros dois eixos de problemas no Sistema Único são os recursos (orçamento que quadruplicou nos últimos dez anos, hoje na escala de 100 bilhões de reais anuais, o maior orçamento das pastas ministeriais) com o subfinanciamento e a gestão desse recurso, na necessidade premente de estabelecer marcos de gestão pública, principalmente nas Prefeituras. O Mais Médicos avança em estipular 13 bilhões de reais nas reformas e obras em hospitais, Unidades Básicas de Socorro (UBSs) e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs); e financiar equipamentos como ambulância para os Municípios com maior demanda de recursos. Contudo, outras fontes de financiamento urgem necessárias para o Sistema Único, sobretudo em um país em transição geracional em que as pessoas vivem cada vez mais, e demandam mais do SUS. O imposto sobre as movimentações financeiras que vinculava recursos a saúde, sobre o cheque (a CPMF), foi acabada em 2007 após campanha de setores que hoje (teoricamente) pedem novos recursos para o SUS. Era um orçamento da ordem de 40 bilhões anuais pra saúde. Urge o aumento da alíquota do Imposto de Renda (teto ínfimo de 27,5%), taxando as grandes fortunas, para que o rico financie mais o Sistema Único de Saúde. Urge acabar com as deduções de planos de saúde no IR, desonerações para falsas filantropias e para a indústria farmacêutica, em mecanismos que acresceriam recursos da ordem de 16 bilhões anuais – mais que os recursos anunciados no Mais Médicos para reestruturação da rede.
Cabe também, a título de romper as amarras da desinformação difundida, afirmar a experiência cubana como exemplo de atendimento universal a medicina básica e preventiva, com profissionais com formação ampla e de qualidade reconhecida mundialmente (conveniados em vários países, pela alta oferta de profissionais que as universidades cubanas oferecem), em país caracterizado pela baixa complexidade tecnológica, boicotado pelos centros capitalistas. O que prova que, mais do que complexos hospitalares, o Sistema Único nacional precisa de médicos, na essência humana do ofício, no acompanhamento individual e cioso do paciente, no cuidado básico e perto das comunidades. Precisamos de outra lógica na formação de profissionais, uma menos voltada para o mercado de trabalho e uma mais voltada à razão mesma da Medicina, que é cuidar de gente.
O debate do financiamento não imiscui em nada, não é em nada dicotômico com o direcionamento de médicos e a ampliação da oferta de profissionais no Sistema Único. Quem confunde as coisas ou é mal informado, ou não quer formular solução pra efetivação material do SUS. Destarte, tem um fator fundamental para a efetivação de um sistema universal e gratuito de saúde para todos no Brasil: os médicos têm que se sentir parte da construção do Sistema Único. Não podem, simplesmente, agir como se esperassem a estrutura pronta e aí então resolvessem operar nela. Fazer o debate opondo governo e médicos só interessa a quem não tem qualquer tipo de compromisso com um atendimento universal de qualidade para todo o povo brasileiro. Que o espírito público dos médicos brasileiros que querem construir esse país mais igual em oportunidades se eleve na reestruturação do SUS, na contínua ampliação de sua estrutura hospitalar, no rearranjo de instrumentos de aumento dos recursos para Prefeituras, Governos e o Ministério da Saúde. Que o Judiciário e o Legislativo não impeçam mais esse avanço democrático, que é o reconhecimento da falta de médicos nas regiões mais carentes do nosso país e a busca de uma solução para essa questão, direcionando a oferta de profissionais. Que a reforma no currículo de Medicina seja o paradigma de outra lógica na formação dos médicos, abnegados na promoção de justiça social.    

domingo, 11 de agosto de 2013


Nota do Coletivo Contraponto  


Na última quinta-feira (08/08), foi decidido em assembléia geral estudantil, o mecanismo institucionalizado mais democrático e deliberativo encontrado para definir as pautas dos estudantes na faculdade, a abertura de um processo de greve dos estudantes, já que, diante de uma enorme ineficiência na realização das matrículas, a greve foi a opção escolhida para protestar e cobrar mudanças da diretoria. Importante ressaltar que a greve não se limita à questão das matrículas, englobando também a insatisfação da comunidade universitária com o escasso oferecimento de matérias optativas em suas áreas de interesse, prejudicando, assim, a sua formação profissional; com a desvalorização das atividades de pesquisa, extensão e optativas livre, com o limite de apenas 12 créditos livres; dentre outros problemas e descasos existentes em nossa faculdade.

O Coletivo Contraponto se coloca favorável à greve na faculdade e se dispõe a propor diálogos de diversas formas visando à conscientização de toda comunidade franciscana, pois julga fundamental considerar a greve um processo material, isto é, um processo o qual necessita de um grande trabalho de debates para que o maior número de pessoas se convençam que aderir ao movimento grevista é importante para além de resolver o problema das matrículas, pois ele busca ampliar a atividade democrática dentro do universo estudantil.

Entendemos como natural a não adesão inicial de alguns alunos, e, por essa razão, ressaltamos o processo de convencimento como o ponto nevrálgico para potencializar a força do movimento . Entretanto, consideramos negativo o comportamento, muitas vezes agressivo, que se observou na faculdade com os chamados " fura-greve", pois, além de não acrescentar em nada para a greve em si, essa taxação acaba por tirar a possibilidade da abertura de um diálogo democrático com esse aluno.

Em relação aos estudantes que já aderiram o processo de greve, urge ressaltar a consciência coletiva desses e a preocupação com os caminhos que a faculdade toma, consciência esta que, se repetida para além dos muros da universidade, só contribui para a construção de um país mais democrático.

Ressaltamos a necessidade premente de reformas nas estruturas de nossa universidade, especialmente no que tange ao seu sistema anti-democrático de escolha da Reitoria. Necessária, também, a aprovação de reformas nas instâncias deliberativas da São Francisco, com vista ao empoderamento político dos trabalhadores e estudantes, para que a comunidade acadêmica tome decisões que sejam fruto de um processo democrático e participativo. Essa desigualdade de forças nos debates sobre nossa escola fica clara na composição da Congregação, órgão deliberativo máximo da Faculdade, com mais de 70 professores, frente a apenas 4 alunos e 3 trabalhadores.

É nesse contexto que, além de nos posicionarmos favoráveis à greve, e com o intuito de dar continuidade a agenda de eventos desta, convidamos a todas e todos para participarem da aula pública que será ministrada pelo professor Sérgio Shecaira na terça- feira ás 11h no páteo das Arcadas.