terça-feira, 6 de maio de 2014

Reformas de Base - Tribuna Livre 1



A renúncia de Jânio Quadros é um dos fatos mais determinantes para a história brasileira. Essa marca o início da polarização de forças conservadoras e progressistas/desenvolvimentistas. As evidências desse processo vêm se tornando expressivas já bem antes, Carlos Lacerda, da UDN, e setores militares já preconizavam abertamente o regime de exceção.


Em um primeiro momento tentaram impedir a posse do presidente Kubitschek, no entanto a ação foi duramente reprimida pelo general Henrique Teixeira Lott. Em meados de 1958, já no governo Kubitschek, iniciaram-se discussões sobre mudanças estruturais pelas quais o Brasil necessitava há tempos. Os setores da aeronáutica tentaram derrubar o presidente em dois momentos: 1956, na Revolta de Jacareacanga, e em 1959, na Revolta de Aragarças; isso nos mostra já uma prévia do que estava por vir.


Com Juscelino temos o Plano de Metas, que visava melhorar a infraestrutura para beneficiar a indústria de transformação, embora o ônus desse processo tenha sido uma alta inflação no final do projeto. Nas eleições para o sucessor de Kubitschek temos o maior fenômeno político desde então: a eleição de Jânio Quadros e seu governo de apenas 8 meses.


Com isso, quem assume é seu vice, Jango. Após as disputas para decidir o presidencialismo ou o parlamentarismo, as pautas estruturais tomaram maior delineamento. O então ministro de planejamento, Celso Furtado, cria os planos trienais em busca de um maior crescimento do PIB. São lançadas as Reformas de Base, meio de superar o subdesenvolvimento econômico e social, que reivindicavam as reformas nas estruturas agrária, fiscal, urbana, bancária, educacional e eleitoral.






Reforma Tributária:


· Aumentaria impostos diretos, especificamente sobre patrimônio e a renda, para que os mais ricos e os mais pobres paguem proporcionalmente;


· Reduziria os impostos indiretos, evitando que as camadas com menor renda sejam mais afetadas;


· Estatizaria bancos estrangeiros de depósitos, de seguradoras e as atividades ligadas à Eletrobras, o petróleo (em benefício do monopólio da Petrobras), as ferrovias e a mineração;






Reforma Urbana:


· Facilitaria as desapropriações, permitindo assim maior acessibilidade das camadas mais pobres a cidade, e não segregando-as nas periferias apenas;


· Criaria uma política de transportes coletivos, para que aqueles que moram em regiões mais distantes dos centros possam a ele chegar;






Reforma Bancária:


· Limitaria a remessa de lucros para o exterior, o que forçaria as multinacionais investirem parte de seus lucros em nosso país.


· Canalizaria recursos da poupança popular para ampliação dos créditos para os outros programas das Reformas e para os produtores;


· Ampliaria a atuação do Banco do Brasil;






Reforma Educacional:


· Acabaria com a seleção pelo método do vestibular, uma vez que a universidade e o ensino superior é um direito de todos;


· Aumentaria a participação de funcionários e alunos nas decisões das universidades, uma vez que estes são partes tão fundamentais quanto os professores neste sistema;


· Valorizaria o ensino público e o magistério em todos os níveis;


· Combateria o analfabetismo com a ampliação do método Paulo Freire;










Reforma Eleitoral:


· Estenderia o direito ao voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente;


· Tiraria da ilegalidade o Partido Comunista Brasileiro (PCB), estando na ilegalidade desde 1947 no governo do então presidente Eurico Gaspar Dutra;


· Começaria a rever a relação do poder econômico com as eleições, ou seja, a formação de lobbys no Congresso;






Reforma Agrária:


· Decreto Supra - desapropriaria os latifúndios improdutivos (que funcionassem contrariamente à função social da terra) com mais de 1000 hectares ao longo de 100 quilômetros de cada margem das rodovias federais com a indenização em títulos da dívida pública;


· Estenderia ao campo os principais direitos dos trabalhadores urbanos por meio do Estatuto do Trabalhador Rural, visto que o sindicalismo rural só fora regulamentado em 1962.






A reforma agrária foi, sem sombra de dúvida, o estopim para a reação das forças conservadoras, resultando no golpe de 1 de Abril. Os ruralistas eram muito fortes e não queriam perder seus poderes de coronéis. Nossa história esta calcada na colonização, e esta balizou-se na estrutura latifundiária e escravista. Por medo de uma "segunda Cuba", os EUA e as elites encaravam qualquer projeto de distribuição de terras como uma ameaça gravíssima, assim foi por toda América Latina, tanto na Guatemala de Guzmán, quanto no Chile de Allende, quanto no Brasil de Jango.


Até hoje nós vemos os reflexos dessa formação em nossa sociedade: o Brasil é o segundo país do mundo que mais concentra terras e temos uma das maiores desigualdades sociais também, este último tendo íntima ligação com o processo de abolição da escravidão. Estes problemas acarretarão outros, como o êxodo rural, macrocefalia urbana, aumento da criminalidade, fome, entre vários outros.


A proposta de Goulart era tentar sanar, ou ao menos diminuir esses problemas. Em um projeto desenvolvimentista e longe de ser comunista, como alarmavam absurdamente a mídia, acusando o presidente de tentar impor uma república sindicalista. Porém, os interesses financeiros da elite civil e os projetos norte-americanos que a alta cúpula das Forças Armadas defendiam, unidos a uma boa dose de ideologia conservadora, foram o suficiente para matar essa proposta, para não dizermos que também o próprio Jango na Operação Condor (que também teria sido a responsável pela morte de mais dois líderes da Frente Ampla contra a ditadura: Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda).





Ao olharmos o Brasil hoje, vemos a urgência e a atualidade dessas reformas que discutíamos há 50 anos. Os pontos estruturais que esse programa reformista previa continuam intocados, o que nos mostra um grande atraso de nosso sistema político como um todo. As Reformas de Jango são ainda necessárias e não apenas elas, como muitas outras mais.

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