terça-feira, 6 de maio de 2014

PARA NÃO ESQUECER QUE CONTINUA ACONTECENDO - Editorial Tribuna Livre 1



PARA NÃO ESQUECER QUE CONTINUA ACONTECENDO









No último dia 1º de abril completou-se o cinquentenário do golpe civil-militar de 1964, que inaugurou uma sangrenta ditadura de mais de duas décadas no Brasil, marcada por perseguições políticas e intensa repressão. Se lembrar é resistir, recordar as injustiças cometidas durante os anos de chumbo é essencial; porém, reconhecer a persistência de muitas de tais mazelas nos dias de hoje é fundamental para que possamos construir uma sociedade democrática livre dos entulhos autoritários daquele período.


Nesse sentido, o Centro Acadêmico XI de Agosto – Coletivo Contraponto realizou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco o ato político-cultural “50 Anos do Golpe: Repressão Ontem e Hoje”, e construiu junto a outras entidades o “Ato Unificado Ditadura Nunca Mais: 50 Anos do Golpe Militar”, da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva (SP), e o “Ato Contra a Repressão Policial e Pelo Direito à Manifestação”, da campanha “Por Que O Senhor Atirou Em Mim?”.


Em meio a essas “descomemorações” do cinquentenário do golpe, o Congresso Nacional vem propondo leis antiterrorismo que criminalizam as manifestações populares, expressão consagrada da democracia. Ao mesmo tempo, em ano de Copa do Mundo no Brasil, constitui-se um verdadeiro tribunal de exceção no país, contando com o Exército nas ruas para reprimir os protestos contra as injustiças dos preparativos dos megaeventos – quais sejam as remoções de famílias residentes nas proximidades dos estádios, as violações de direitos trabalhistas dos operários das grandes obras, a conivência à exploração do turismo sexual etc. Essas ações são incompatíveis com a democracia que o Brasil pretende consolidar; sendo assim, o XI de Agosto lhes manifesta absoluto repúdio.


A repressão policial, ademais, ainda compõe o cotidiano da população das periferias das grandes cidades, da juventude negra e dos movimentos sociais. A atuação da Polícia Militar nesses contextos repete a violação sistemática de direitos humanos vigente na ditadura, abnegando a condição de cidadania de grande parte do povo brasileiro. O Centro Acadêmico XI de Agosto defende, pois, a desmilitarização das polícias do Brasil, o que significaria subverter a lógica do combate ao inimigo e implantar uma rede de segurança pública que, acima de tudo, atue de forma cidadã, respeitando os direitos e a dignidade humana de toda a população.


Além disso, outras heranças malditas do regime civil-militar precisam ser combatidas. A primeira delas é o sistema político contemporâneo, essencialmente o mesmo elaborado pelo General Golbery do Couto e Silva – ministro da Casa Civil de Geisel. É necessário romper o vínculo entre poder político e poder econômico, cujas raízes se encontram no financiamento privado de campanhas; valorizar o debate político de projetos e ideias, em contraposição a discursos personalistas, por meio do voto em lista preordenada; ampliar a participação feminina nas decisões políticas nacionais, mediante paridade de gênero nas listas etc. Tais conquistas somente serão possíveis a partir de uma Constituinte exclusiva do sistema político, com intensa participação popular.


Urge, também, democratizarmos os meios de comunicação. Nosso sistema de mídias atual, herança da ditadura, constitui-se de oligarquias, o que faz com que algumas poucas empresas tenham o controle de todas as informações veiculadas e, assim, sejam capazes de manipular a opinião pública. É preciso transformar essa realidade, dando espaço ao contraponto de vozes da sociedade civil e à pluralidade cultural do povo brasileiro.


De toda forma, é impossível pensar em justiça de transição enquanto não for revista a Lei da Anistia de 1979, que livrou do devido julgamento todos os crimes de lesa humanidade cometidos por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura. Sob essa lei, torturadores, sequestradores, estupradores e assassinos permanecem impunes, ao mesmo tempo em que suas vítimas e familiares convivem com o agravo do indulto estatal a seus carrascos.


Todas essas reivindicações foram reunidas numa carta-manifesto redigida pelo XI de Agosto, que está coletando subscrições de entidades e setores da sociedade civil para encaminhá-la à presidenta da República, Dilma Rousseff, e ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.


A luta contra a ditadura ainda não findou, e persistirá enquanto não houver a justiça de transição pela qual clama nossa democracia; pois jamais esqueceremos que continua acontecendo.









Centro Acadêmico XI de Agosto









Coletivo Contraponto

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