terça-feira, 6 de maio de 2014

O XI DE AGOSTO E O GOLPE DE 64 - Tribuna Livre 1



O XI DE AGOSTO E O GOLPE DE 64



O Centro Acadêmico XI de Agosto é conhecido pela sua história de mais de 100 anos e por seu papel de destaque em importantes momentos da história nacional, tais como as campanhas ‘O Petróleo é Nosso’, ‘Diretas Já’ e ‘Fora Collor’. Entretanto, algumas de suas mais admiráveis atuações não são muito conhecidas. Nesse sentido, no ano em que completamos 50 Anos do Golpe Civil- Militar de 1964, entendemos ser importante contarmos o papel cumprido pelo XI de Agosto nesta época.

Assim como se observava que nos anos anteriores ao golpe uma intensa polarização ideológica tomava conta da sociedade brasileira, no microcosmos do movimento estudantil não foi diferente; e o Centro Acadêmico XI de Agosto, tal qual fez ao longo de sua história, não se omitiu e tomou partido pelas chamadas reformas de base propostas por João Goulart.

Cronologicamente falando, já no ano de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadro, as e os estudantes do Largo São Francisco se posicionaram pela posse do vice-presidente João Goulart – que estava na China -, acusando de golpista os militares que se articulavam contrariamente à posse de Jango. Na pessoa do então presidente, Antônio José Luciano, o XI escreve ao Ministro da Guerra que ‘’o dever dos militares é defender a Constituição, e não enxovalhar a farda com tramas golpistas’’ – o que consequentemente quase fez com que Antônio fosse preso -, e organiza uma passeata ao Palácio dos Campos Elíseos pela posse de Jango, prontamente reprimida pela polícia.

Não a toa, em 1963, na posse da diretoria eleita para o Centro Acadêmico XI de Agosto, temos a primeira e única cerimônia prestigiada por um presidente da República, no caso João Goulart. Em seu discurso, Oscarlino Marçal - presidente eleito pelo Partido Acadêmico Renovador – apoia fortemente às Reformas de Base, sendo seguido por João Goulart, que reafirma seu compromisso com mudanças estruturais no Brasil. A Sala d@s Estudantes, inclusive, seria palco, ao longo de todo ano de 1963, de intensos debates a cerca destas reformas.

Porém, apesar do apoio a Jango, o XI se posiciona contrariamente à proposta feita pelo presidente de decretação do estado de sítio, defendendo as liberdades democráticas. O próprio João Goulart, arrependido da proposta, a retira três dias depois de fazê-la.

A maior radicalização política na sociedade em 1963/1964 reverbera no Largo São Francisco e leva a uma aliança entre os setores progressistas da Faculdade. A chapa ‘Unidade’ é eleita para o ano de 1964; o presidente, João Miguel, é figura importante no ano do golpe.

A posse da nova gestão ocorre no dia 12 de Março - dia anterior ao Comício da Central do Brasil, no qual João Goulart anuncia decreto pela Reforma Agrária – e, já no dia 16 de Março, o presidente da Superintendência da Reforma Agrária (Supra), Pinheiro Neto, é convidado para falar na Faculdade.

O Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização de extrema-direita da época, se faz presente e já antes do evento observa-se um clima de grande tensão e enfrentamento.

João Miguel procura o comandante do II Exército, Amauri Kruel, para que se garanta a segurança no local. Não o encontra, e, ao voltar para o Largo São Francisco, encontra a Faculdade trancada e metralhada. Um aluno levara um tiro de raspão e outros estudantes haviam sido espancados.

Quando Pinheiro Neto chega para a palestra, um foguete é lançado contra seu carro. Percebendo o clima de confronto, o presidente do Supra se retira; João Miguel vai atrás, buscando convencê-lo de voltar à Faculdade. Não obtém êxito.

No dia seguinte, 17 de março, é a vez do Ministro da Justiça, Abelardo Jurema, proferir palestra no Salão Nobre a convite do XI de Agosto. A palestra vira um ato de desagravo a João Pinheiro Neto, e, toda vez que João Goulart é citado, @s estudantes vibram, eufóric@s.

Nessa esteira de intensa mobilização, uma Assembleia do XI de Agosto delibera, como resposta à impunidade da polícia para com o CCC, o enterro simbólico do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e de seu secretario da Segurança Pública. Apesar das ameaças proferidas pelo governador de proibir a manifestação, João Miguel declara: ‘Criticamos as autoridades que nos atacam com bombas, cassetetes e tiros, ridicularizando-as. É a democracia. Faremos, sim, a passeata, mesmo proibida’’. A manifestação ocorre sem grandes problemas.

A Congregação da Faculdade, que num primeiro momento ficou ao lado d@s estudantes, repudia os atos de violência contra Pinheiro Neto, suspendendo as aulas até o dia 30 de março. Ao mesmo tempo, o XI, em Assembleia, delibera a ocupação da Faculdade, em repúdio a Adhemar de Barros. A ocupação dura vários dias e obtém o apoio de várias unidades da USP, da UEE, e, segundo fontes da época, é aderida por dez mil estudantes do estado de São Paulo.

O golpe se aproxima. No final de março, João Miguel vai ao Rio de Janeiro visitar João Goulart e alerta o presidente da articulação golpista; Jango acredita que consegue barrar qualquer tentativa de golpe.

No fatídico dia 31 de março o presidente do XI está em Brasília com Darci Ribeiro, então Ministro-chefe da Casa Civil, que pede para que João Miguel discurse no rádio e na televisão em defesa de Jango. Ademais, recebe um cheque para reformas da estrutura do Porão, que, ao tentar ser descontado neste mesmo dia por João Miguel, é recusado pelo Banco, que alega que o cheque era de um governo deposto.

Em nome do XI, João Miguel participa de inúmeros atos, reuniões e show em apoio ao governo. Quando o golpe se confirma, contudo, João Miguel percebe que não poderia mais ficar ali. Por essa razão, se esconde na casa de um conhecido em Minas, onde fica por cerca de um mês. No final de abril, se apresenta ao Dops e é preso.

Enquanto isso, no Centro Acadêmico, a oposição derrotada nas eleições para o XI solta manifesto contra a ‘comunização’ do XI. Em seguida, no dia 6 de abril, com presidente e vice ausentes, o primeiro-secretário assume a presidência, após ser assim deliberado em Assembleia realizada no dia anterior, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. E não demora muito para que a gestão ‘eleita’ solte um comunicado defendendo a ditadura instaurada: ‘Fica o Centro Acadêmico XI de Agosto na posição de que, nas Arcadas, encontramos no novo governo um estandarte, uma bandeira, um viva voz, que se dispõe definitivamente a colaborar para que o Presidente Castelo Branco proporcione, como tem procurado fazer, a tranquilidade da família brasileira’’.

Na sequência, no dia 24 de abril, estudantes ocupam o XI, nomeiam um novo presidente e declaram nula todas as decisões tomadas pela gestão imediatamente anterior. Em meio a tamanha desordem, a própria Faculdade se envolve na disputa, e a Congregação, que antes havia ficado ao lado d@s estudantes, nomeia um interventor para o XI de Agosto: José Luis Anhaia Melo, ex-presidente do XI em 1949. Anhaia Melo visita João Miguel no Dops, visando convencê-lo a renunciar ao cargo de presidente. Este se recusa e fica cerca de mais um mês preso. Mesmo após, em setembro, o promotor Joaquim Stein emitir parecer favorável à volta ao cargo legítimo de presidente do XI, a Justiça não concede o mandado para que João Miguel retorne. A Congregação, mostrando novamente que já se adaptara ao novo regime, suspende João Miguel da Faculdade por dois anos por ‘indisciplina’.

As situação só se acalma quando as eleições para 1965 se realizam e Hélio Navarro é, outro progressista, é eleito para a presidência da entidade. Dali em diante, seriam 11 anos consecutivos de presidentes de esquerda gerindo o Centro Acadêmico.

A luta de João Miguel e de seus companheiros e companheiras contra a ditadura consolidaram o Largo São Francisco e o XI de Agosto como importante foco de resistência à Ditadura Civil-Militar. Eventos como a ocupação da Faculdade em 23 de Junho de 1968 pela Reforma do Ensino da Faculdade, o enterro da Constituição em 1976, a leitura da Carta aos Brasileiros em 1977, a campanha pelas ‘Diretas Já’, dentre outros memoráveis acontecimentos – que serão devidamente tratados nas próximas edições da Tribuna Livre – não só comprovam isso, como demonstram a necessidade de conhecermos melhor a história da nossa própria Faculdade.

Nesse sentido, se queremos, de fato, consolidar um senso-comum coletivo democrático é preciso que o trabalho de Memória e Verdade seja efetivo e consiga contar aquilo que até hoje buscam esconder. E, por essa razão, o Centro Acadêmico XI de Agosto – Gestão Coletivo Contraponto defende a volta a reinstalação da Comissão da Verdade da São Francisco – cujos trabalhos foram paralisados em meados de 2013 por problemas internos – e apoia as iniciativas de cunho semelhante em outras Faculdades e Universidades, assim como está em diálogo com a Secretária Municipal de Direitos Humanos e Cidadania com o intuito de reforçar a interlocução junto à Câmara dos Vereadores de São Paulo para que se aprove o PL 65/2014, que cria a Comissão Municipal da Verdade.



Todo e qualquer país que queira aprofundar sua democracia deve ter uma forte memória coletiva dos períodos autoritários passados. Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

Nenhum comentário:

Postar um comentário