Um aumento inconveniente: transporte público é um direito e não uma mercadoria
Na última segunda-feira, dia 2 de junho, os paulistanos começaram a semana com uma péssima notícia: o aumento do preço das passagens do transporte público. Por meio de um acordo entre a presidenta Dilma Rousseff, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad, ficou acertado o aumento das tarifas de metrô e ônibus de R$3,00 para R$3,20. Ainda que anteriormente se tenha ventilado a possibilidade de aumento para R$ 3,40, o valor atual foi fixado mediante intervenção do governo federal com o objetivo de conter a inflação.
Um dos principais argumentos utilizados pelos governos, é de que o aumento foi menor do que o ocorrido em 2011, durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab. Tal argumento é verdadeiro, porém reproduz e legitima a concepção equivocada de política de transportes e mobilidade urbana adotada historicamente.
Kassab, no processo eleitoral municipal de 2008, chegou a utilizar como argumento de campanha para sua vitoriosa reeleição de que ele congelaria os valores da passagem de ônibus por até 4 anos. Promessa efetivamente cumprida. O ponto é que em 2011 houve um aumento, como anteriormente dito, acima da inflação acumulada durante esses anos. Mas como Kassab conseguiu congelar as tarifas por tanto tempo? A partir do aumento milionário dos subsídos para essas empresas concessionárias...
E como os governos atuais, dentre eles o de Fernando Haddad, do PT, garantiram esse aumento menor do que inicialmente previsto? Também a partir do aumento milionário de subsídios para as mesmas empresas.
O que se percebe é que o transporte é infelizmente tratado de forma mercantilizada, uma vez que a lógica imposta é de que a prestação do serviço público garanta grande lucros para grupos empresariais que se perpetuam nas estruturas dos governos. São priorizados os ganhos desses particulares, em detrimento das verdadeiras necessidades sociais. O interessante é que esses contratos de concessão costumam ser quase que automaticamente renovados, sem nenhuma participação popular nesse processo. Faltam audiências públicas que esclareçam essas escolhas políticas e nem mesmo existe no município de São Paulo um Conselho de Usuários de Transporte Coletivo, conquista já existente em diversas cidades do pais.
Um elemento ainda mais gritante é que essas empresas financiam campanhas eleitorais de candidatos a prefeito e vereador. Ou seja, existe, muitas vezes, uma relação bastante promíscua desses empresários com o poder público. Trata-se de um ciclo vicioso que só causa danos à população: tais empresas, cuja concessão lhes é garantida pelos governos, usa parte de seus grandes lucros para financiar as campanhas dos próximos governos, independentemente de legendas partidárias. Pior: isso não garante a máxima eficiência do serviço prestado, como rezam as cartilhas neoliberais. Ao contrário, o dinheiro público é usado para subsidiar empresas que, por sua vez, oneram o orçamento de muitas famílias. E não só em São Paulo. A história se repete na imensa maioria dos municípios brasileiros.
Outro ponto contraditório do governo Haddad é que ele extinguiu a Taxa de Inspeção Veicular. Ainda que essa proposta tenha sido publicamente defendida na campanha de 2012, percebe-se aqui uma caráter regressivo dessa política tributária. O orçamento público passou a custear integralmente a taxa dos carros. Ou seja, toda a população paga uma conta referente ao transporte individual. Em contrapartida, desde esta segunda se encareceu o transporte público.
A proposta defendida por movimentos de usuários de transporte coletivo de Tarifa Zero, ainda que aparentemente irreal, traz o mérito de colocar a mobilidade urbana verdadeiramente como direito. Mais do que um instrumento que possibilita o deslocamento da mão de obra até seus postos de trabalho (o que é em muito garantido pelo Vale-Transporte, uma obrigação legal dos empregadores), o transporte coletivo é um componente da efetivação da cidadania, deve ser garantido para os mais variados fins, inclusive de lazer.
Um primeiro passo para a diminuição das tarifas e a construção de um novo modelo é a partir de uma empresa pública de transporte. Ela aprioristicamente já extinguiria o lobby dos empresários do setor junto ao poder político. Atrelado a isso, sua racionalidade não seria baseada na busca por lucros em detrimento da população. Outro ponto importante é a criação de um Conselho de Usuários de Transporte Coletivo, que seria um órgão consultivo para o estabelecimento de trajetos e para o acompanhamento cidadão desse serviço público tão essencial. Para financiar a diminuição das tarifas e a ampliação do transporte público, uma política tributária importante seria o aumento de impostos nos produtos relacionados ao transporte individual (combustível, por exemplo) e a implantação do IPTU Progressivo em terrenos e construções destinadas à especulação imobiliária.
Na área de transportes, vale ressaltar que neste ano o governo Haddad trouxe medidas positivas. A ampliação de linhas de ônibus com funcionamento 24 horas numa cidade em que milhares de pessoas trabalham ou mesmo se divertem durante a madrugada é um ganho inquestionável. A construção de 70 quilômetros de corredores de ônibus até o final desse ano é também uma escolha política acertada. A questão é que até agora não houve uma ruptura concreta com o modelo de mercantilização do transporte. A proposta do Bilhete Único Mensal, tão bem avaliada pelos eleitores, quando concretizada só será um ganho se seu custo ao usuário for módico - caso contrário, pode eventualmente ser até um retrocesso.
O Coletivo Contraponto acredita que essa pauta deve ser muito ao movimento estudantil por razões mais que óbvias. Todos os dias milhares de pessoas usam esse serviço, inclusive a comunidade franciscana. Devemos agora nos mobilizar juntamente com os mais variados setores e cobrar do poder público que, pelo menos, reveja esse aumento.
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