As recentes declarações do governador de São Paulo Geraldo Alckmin mostraram uma face até então inédita do PSDB. O partido no Estado parece ter publicamente aderido a um discurso bastante conservador, beirando o reacionarismo. As declarações de que defende a redução da maioridade penal para 16 anos, o aumento do tempo máximo de internação para menores de 3 para 8 anos e a defesa da "guilhotina" para os corruptos surpreenderam até mesmo os grandes meios de comunicação, outrora simpático às ações do governador tucano. Somado a isso, temos também a indicação de Ricardo Salles no ano passado para ser seu secretário particular. Salles é membro do grupo Endireita Brasil, que defende a ditadura militar e é responsável por espalhar boatos difamatórios sobre uma fortuna de 3 bilhões de dólares do ex-presidente Lula e de que a Boate Kiss, onde ocorreu o trágico incêndio de Santa Maria (RS), pertenceria a um deputado federal petista.
O PSDB, partido surgido de um racha do PMDB, carregava em sua gênese a promessa de ser um partido de centro-esquerda, a semelhança dos partidos da Social Democracia da Europa Ocidental. Na sua experiência à frente do governo da União, contudo, assim como algumas dessas legendas européias, praticou uma guinada à direita e adotou fielmente o receituário neoliberal - privatizações dos serviços públicos, abertura no comércio exterior, grande endividamento e liberalização do mercado. Os resultados disso foram sabidamente catastróficos: desemprego recorde, sucateamento da infraestrutura e aumento das desigualdades sociais, econômicas e regionais do país. Ainda que tenha se aliado com uma série de lideranças regionais oligárquicas e até coronelistas, o partido, em matéria de costumes, continuou flertando com um discurso mais liberal e aparentemente progressista.
Quando Mário Covas assumiu o governo do Estado em 1995, após o absurdo massacre do Carandiru, ele adotou um discurso "humanista": defendeu a desmilitarização da Polícia, indicou o jurista progressista José Afonso da Silva para a Secretaria de Segurança Pública e até reformou a matriz curricular da Academia de Polícia do Barro Branco. Demonstrava, assim, uma série de compromissos com uma nova cultura de direitos humanos na política de segurança pública. Com o tempo, essas ações iniciais se demonstraram quase que somente "formalistas" e pouco alteraram os abusos e violações do Estado e da polícia.
Ainda nessa linha, em 2006, no governo anterior de Geraldo Alckmin, após sucessivos motins, várias denúncias e uma péssima avaliação da opinião pública, a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem) foi reestruturada e rebatizada de Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA). As mudanças objetivavam, ainda que muito tardiamente, adaptar a rede de internação aos parâmetros estabelecidos pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Muitos dos problemas da antiga FEBEM, contudo, permaneceram. Viu-se aqui novamente um compromisso dos tucanos, ainda que retórico e pouco efetivo, com uma política minimamente mais responsável e consequente com a juventude em situação de vulnerabilidade. Na época, quem conduziu esse processo foi o então Secretário de Educação Gabriel Chalita, figura bastante midiática.
E por que agora essa guinada tão forte ao reacionarismo? Por que a defesa aberta de sensos comuns punitivistas? Por que esse desprezo tão escancarado a garantias fundamentais?
Em primeiro lugar, é importante notarmos o crescimento do PT e dos demais partidos de oposição ao seu governo nas eleições municipais ano passado. Das 10 maiores cidades do Estado, 7 são governadas por prefeitos da oposição, inclusive a maior delas, a capital paulista. Outro elemento forte é a perda de sua popularidade: na última pesquisa do Datafolha, 29% da população considera sua gestão boa, enquanto 25% consideram péssima. É a pior marca nos 18 anos de governo peessedebista no Estado de São Paulo. Somado a isso, antigos aliados hoje procuram insistentemente se associar ao PT e à presidente Dilma, cuja popularidade é muito significativa. O atual vice-governador Guilherme Afif Domingues é a mais recente figura pública desse processo.
Um dos principais motivos para essa queda de popularidade é justamente a crise de segurança pública no estado de São Paulo. Segundo estatísticas oficiais, em alguns meses de 2012 houve um aumento de até 96% do número de homicídios em comparação ao mesmo período de 2011. Segundo a mesma pesquisa do Datafolha anteriormente citada, 71% dos paulistas não acreditavam nas soluções do governo estadual para o problema.
Alckmin então procura desviar o foco. Oportunista, aproveita enorme comoção pública pelo assassinato do estudante Victor Deppman cometido por um menor de idade e defende a redução da maioridade penal. Aproveita a mesma situação para defender o aumento de reclusão na Fundação CASA. Adota, assim, um viés ainda mais criminalizante para questões que são eminentemente sociais. De forma espetacularizada, responsabiliza "menores de idade" e a legislação por um problema muito maior, que se deve, sobretudo, à incompetência do governo estadual.
Geraldo Alckmin tem adotado em seu discurso quase que um populismo clássico, que em nada deve para as mais inconsequentes declarações de Jânio Quadros ou Carlos Lacerda. Na mesma linha, defende "guilhotina" para corruptos. Ao invés de defender mudanças nas estruturas do Estado, aumento de instrumentos de fiscalização e maior transparência das ações de governos e financiamento público de campanhas eleitorais, medidas que efetivamente combateriam e diminuiriam a corrupção, Alckmin prefere a perspectiva moralista e verborrágica que, felizmente, reverbera em uma parcela cada vez menor da população.
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