Nota do Coletivo Contraponto sobre as passeatas contra o aumento da tarifa
A onda de protestos contra o preço do transporte público que se espalhou pelo Brasil se intensificou em São Paulo quando o prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin aumentaram a tarifa de ônibus, metrô e trem em 20 centavos. Pouco depois do aumento, o Movimento Passe Livre organizou protestos contra o aumento e pela “tarifa zero” na capital paulista, que foram duramente reprimidos pela Polícia Militar.
A reação da mídia tradicional foi negativa, o que era de se esperar, considerando que o caótico trânsito paulistano é mais valorizado pelos meios de comunicação em massa do que o direito a manifestação política. Além disso, é inegável que a diminuição da tarifa, a melhora do transporte público e especialmente a tarifa zero são pautas de esquerda por excelência, logo, foi natural a rejeição inicial da imprensa: destacaram nos telejornais apenas a violência de alguns manifestantes, deixando de lado suas reivindicações. O protesto foi referido, de fato, por “baderna”.
No protesto ocorrido na última quinta-feira (13/06), a polícia, que já vinha cometendo excessos, quebrou completamente as barreiras do aceitável e reprimiu os manifestantes de modo absolutamente desproporcional e criminoso: agrediram pessoas que estavam na calçada e só gritavam “sem violência!”, lançaram bombas de gás lacrimogênio na janela de um apartamento em que um morador filmava a ação policial na Praça Roosevelt e atiraram em diversos jornalistas e fotógrafos, inclusive acertando dois no olho. A partir desse dia, até mesmo a “velha imprensa” passou a criticar a ação policial. Os “baderneiros” passaram a ser chamados “manifestantes” nos jornais e, nas redes sociais, o apoio à causa aumentou grandemente.
Cabe colocar que esta semana, o ato contou com uma massificação que se tornou experiência única na história recente do país, com proporções inéditas e em inúmeras cidades. Contudo, uma mudança significativa em suas pautas ocorreu: setores conservadores ou massas de uma classe media alta, produtos de anos sem formação política e influenciados por essa mesma mídia de massas com interesses obviamente obtusos, tomaram as ruas (o que foi um fato novo) e alteraram significativamente os destinos das passeatas. Na terça e ontem, o mesmo ocorreu, até por conta da redução das tarifas, sobretudo no Rio e em SP. O movimento ainda esta pra ser analisado enquanto fenômeno político, tarefa para o próximo período.
O MPL, materializando a reivindicação social por transporte público acessível e de qualidade foi vital para marcar as passeatas que produziram a redução da tarifa. Sua iniciativa de propor o debate com manifestações de rua foi fundamental no emergir do processo.
Outro aspecto que merece nota é o modelo de custeamento do transporte público, baseado no dinheiro da passagem e em subsídios bilionários. A revogação do reajuste da passagem não se deu pela redução do lucro do empresário de transportes, mas sim pelo aumento do gasto público com as concessionárias e o modelo privatista de exploração do serviço público. A mobilização em torno do preço da passagem deve também se dar contra a cartelização que o sistema de transportes sofreu em SP, com as empresas de lucros obscuros e falseamento de números, pois sem o enfrentamento desse problema, não será possível a melhoria dos ônibus, trens e metrôs, cujos problemas não se resumem a preços de passagens, mas se tratam também de qualidade de serviço e de acesso. Requer-se a abertura dos canais de diálogo com a população, abrindo o debate sobre a municipalização do transporte de Ônibus em São Paulo, bem como estatização das companhias de trem e metrô.
Medidas com efeito de curto prazo, como municipalização da CIDE proposta pelo prefeito Haddad para debate no Congresso Nacional (bem como o subsídio pela isenção de PIS e COFINS ao transporte público, medida que auxiliou prefeituras de todo o país a reduzirem a tarifa), podem ser um bom início. Porém a lógica do particular, do transporte não ser um direito mas sim uma mercadoria a mercê dos lucros de poucos, permanece. Uma revisão majorando o IPTU de maneira efetivamente progressiva, enquanto fonte de recursos para a reestatização nos moldes de uma companhia municipal de transportes urbanos, é bom indicativo - proposta da então Prefeita Luíza Erundina, que na época não chegou sequer a votação. A melhoria do sistema só é possível com a sua reestruturação. Essa discussão se faz necessária, pois o problema, com certeza, não se resume a 20 centavos.
O outro lado da passeata
Infelizmente, a força popular não foi a única coisa evidenciada pelas manifestações nas ruas de São Paulo. Um aspecto muito mais sombrio e negativo de nosso país foi mostrado de forma explícita: a herança da ditadura militar, materializada na Polícia Militar e escancarada pela repressão ocorrida durante as manifestações, culminando na ação bárbara e desumana na noite de 13 de junho, quinta-feira, quando o Choque dissolveu de forma violenta a manifestação pacífica e colocou a maior avenida do país, a Paulista, em estado de sítio, em uma verdadeira operação de guerra. Isso teve impacto nacional por ter ocorrido em região central, porém a violência policial infelizmente é uma realidade que ocorre diuturnamente e desde sempre nas periferias, que mantém o conflito de classes escancarado pela ação do Estado, omisso para promover e respeitar os direitos das populações das zonas pobres, mas agressivo em reprimir e controlar por meio da força militar, da intimidação e do medo. O interesse pela manutenção do caráter militar é o interesse em manter a enorme desigualdade social, transformando o conflito de classes em uma verdadeira guerra civil.
Outro ponto é a violência desferida contra manifestantes organizados politicamente, culminando numa absurda tentativa ( à força, que fique claro) de "proibição" das bandeiras de partidos, em demonstrações infelizes de desconsideração com os movimentos e as pessoas que lutaram, lutam e ainda hão de lutar por um país mais justo, inclusive sob a causa do transporte público. Talvez movidos por um sentimento de repulsa à política, muito exaltado pelos grandes meios de comunicação, que passaram a última década empreendendo uma criminalização da luta política organizada em partidos de esquerda, movimentos sociais e sindicais (MPL inclusive), tais vândalos agiram de maneira completamente contraditória com o que pretensamente defendem. Democracia é povo organizado tomando partido nas lutas. As ditaduras fascistas são os regimes onde não há partido, pois não há liberdade, não há voz, não há direito de organização.
A dificuldade da representatividade popular nos mandatos é produto do fisiologismo e da intervenção do poder econômico sobre a política. A solução perpassa pelo fortalecimento dos partidos ideológicos com o voto em listas partidárias, e pelo financiamento público das campanhas eleitorais, na chamada Reforma Política. A recente democracia brasileira precisa de mais política, e de mais cidadania - clarividente na vontade de participação política desta juventude nas ruas.
O Coletivo Contraponto se posiciona contrariamente a essa atitude e manifesta apoio ao PSTU, PT, PSOL, PC do B, PCO, LER-QI, Consulta Popular, UNE, ANEL, movimentos sociais como os de moradia e reforma urbana, e demais que sofreram violência na passeata, tanto física quanto moral, perpetrada por grupos alienados de qualquer princípio de debate político e avesso a democracia.
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