A PEC 33, o Legislativo e o Judiciário: desmitificando alguns discursos
O recente juízo de constitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 33/2011 (PEC 33), relatada pelo Deputado Nazareno Fonteles (PT/PI), junto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados enfim iniciou o debate a cerca das competências e atribuições dos poderes Legislativo e Judiciário. A PEC traz algumas medidas que alteram efetivamente a relação entre os poderes: (I) aumenta o quórum para declaração de inconstitucionalidade de uma norma no STF, da maioria simples (6) para qualificada (9 dos 11 ministros); (II) a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma terá efeito vinculante depois de análise do Parlamento em 90 dias – que, no caso de não apreciação, estará anuindo tacitamente com a decisão do Supremo; (III) por maioria qualificada (3/5 dos congressistas), os parlamentares podem submeter a matéria objeto de controvérsia entre os poderes a um plebiscito; ou seja, no conflito de poderes, consulta-se o povo diretamente. Há ainda (IV) a previsão de que as súmulas vinculantes (criadas na Reforma do Judiciária, a EC nº 45/2004, que vinculam matérias decididas no STF, por voto de 8 dos 11 ministros, a todas as instâncias inferiores do Judiciário) sejam apreciadas pelo Legislativo em 90 dias (aumentando também o quórum no STF para sua aprovação, de 8 para 9 ministros), mediante aprovação por maioria absoluta.
A proposta causou enorme comoção de uma série de setores da comunidade jurídica, dos meios de comunicação e de alguns parlamentares de oposição. Não faltaram acusações de que a proposta seria inconstitucional e que se trataria de uma tentativa da bancada petista de revanchismo contra o Supremo Tribunal Federal por conta das condenações de importantes figuras do partido na Ação Penal 470 no ano passado.
Alguns proeminentes juristas, entretanto, sustentaram a constitucionalidade da proposta, dentre eles Dalmo de Abreu Dallari, Gilberto Bercovici e Conrado Hubner Mendes. Eles alegam que a proposta efetivamente não afronta a cláusula pétrea constitucional da separação de poderes. O controle e a fiscalização das decisões do Poder Judiciário e de sua mais alta corte pelo Legislativo não interfeririam na autonomia e na indepedência deles. Sobre as acusações de revanchismo, vale ressaltar que o projeto tem como relator João Campos, deputado federal do PSDB de Goiás e foi apresentada em 2011, um ano antes do controverso julgamento.
Ainda que ela tenha pontos interessantes, como a possibilidade de deliberação do Congresso a cerca das súmulas vinculantes, o projeto ataca uma das características mais essenciais do Poder Judiciário numa democracia: o seu caráter contra-majoritário e a possibilidade de defesa de minorias. A retórica de que o Legislativo seria uma instância mais "democrática" é falaciosa. Pela grande interferência do poder econômico na política nacional, o Congresso tem se demonstrado um espaço bastante conservador e elitista. A recente escolha do pastor evangélico Marcos Feliciano (PSC-SP), notadamente racista e homofóbico, para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados foi o capítulo mais recente disso. Outros elementos importante de análise foram os recuos do atual governo na questões do Kit Anti-Homofobia nas escolas e das políticas de prevenção à AIDS voltadas para a população jovem LGBT com o intuito de não desagradar a bancada evangélica. Mesmo tendo maioria no Congresso, o governo não conseguiu garantir a atualização do módulo de produção rural para fins de Reforma Agrária, nem a aprovação do projeto que criminaliza a exploração do trabalho escravo dada a força da bancada ruralista.
Em contrapartida, uma série de avanços ligados a grupos minoritários só ocorreram por conta do Judiciário. A declaração de constitucionalidade da União Civil entre pessoas do mesmo sexo e da possibilidade de aborto de fetos anencéfalos, além da demarcação de terras indígenas no caso de Raposa Serra do Sol, são alguns exemplos emblemáticos de decisões progressistas do Supremo Tribunal Federal que não contaria com apoio da maioria dos parlamentares brasileiros. Numa série de estados brasileiros, como São Paulo e Bahia, os Tribunais de Justiça já permitem o casamento entre homossexuais.
Aqui não se trata de nenhuma homenagem aos homens e mulheres de toga. A questão é que a democracia não é o regime de "ditadura da maioria", é também aquele em que minorias têm seus direitos assegurados independentemente dos anseios de grupos majoritários opressores. Seria absurdo, por exemplo, de que ocorressem plebiscitos pra deliberarem sobre o direito dos homossexuais se casarem ou não, ou mesmo das mulheres abortarem fetos anencéfalos ou não, como prescreve a PEC 33. A defesa de plebiscitos para questões relativas a minorias políticas é pauta histórica da bancada evangélica e de lideranças fundamentalistas como Silas Malafaia. O tucano João Campos, relator da PEC 33, é, inclusive, pastor evangélico.
O Poder Judiciário no Brasil ainda é muito carente de um controle social maior. Não são raras as denúncias de corporativismo, corrupção e abusos de autoridade de juízes, desembargadores e ministros togados em todo o país. As recentes denúncias de que o advogado carioca Sérgio Bermudes realizava festas que custavam mais de 100 mil reais para o ministro Luiz Fux e de que o próprio Supremo Tribunal, presidido pelo Ministro Joaquim Barbosa, teria custeado passagens aéreas a jornalista da Rede Globo são alguns exemplos recentes de escândalos envolvendo o Judiciário, quase nunca apurados. Muitas vezes, ocorrem também decisões tidas como excessivamente "ativistas" movidas por pressões do sensacionalismo midiático, como no caso da própria Ação Penal 470, ou que se sobrepõe equivocadamente ao debate parlamentar, principalmente na justiça eleitoral. Ainda que a PEC 33 não seja a devida solução institucional para tais problemas, ela tem o mérito de levar mais a tona esses debates.
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