Corriqueiramente somos surpreendidos por sistemáticos escândalos de corrupção na política nacional. Outras vezes, ficamos chocados com fisiológicas negocições de troca de apoios parlamentares por loteamento de cargos nos governos. A imprensa, por sua vez, costuma tratar desses temas sempre num tom alarmista e personalista. Como se todos esses rotineiros problemas se devessem apenas a questões morais de personagens específicos. Nunca se procura investigar os problemas com profundidade e buscar soluções mais estruturais. Importantíssimo, nesse sentido, é buscar alternativas que tornem, efetivamente, mais transparente e representativo o nosso funcionamento democrático. A esse conjunto de mudanças importantes dá-se o nome deReforma Política.
Uma das razões mais óbvias, ainda que pouco debatido na grande mídia, é o financiamento das campanhas. Para uma candidatura ter viabilidade eleitoral, ela necessariamente precisa ter uma ampla estrutura e muito material de campanha. Nas candidaturas majoritárias, soma-se a isso uma pirotécnica produção de televisão e rádio. Tudo isso custa bastante caro. Segundo dados da justiça eleitoral, as campanhas declararam ter gasto, em 2010, cerca de 4,8 bilhões de reais (fora o chamado “caixa 2“, isto é, verba não declarada por ter origens ilícitas). Dos 513 deputados federais eleitos, 369 foram aqueles que tiveram as campanhas mais caras. O poder econômico é, dessa forma, uma fator fundamental para que um candidato seja eleito ou não, o que é, profundamente, anti-democrática. Substitui-se o debate de ideias e propostas por multidões de pessoas pagas distribuindo “santinhos” e jingles pegajosos tocados à exaustão em carros de sons.
Candidatos ligados a sindicatos de trabalhadores e movimentos populares, por exemplo, enfrentam muito mais dificuldades para serem eleitos do que os velhos figurões. Estes, muitas vezes, se perpetuam a partir de ligações bastante orgânicas e obscuras com grandes lobbys.
As grandes empresas, sobretudo empreiteiras e bancos, têm, assim, uma enorme capacidade de viabilizar seus candidatos. É bastante ingênuo (ou até cínico) defender que pessoas físicas ou jurídicas doem milhões para determinadas candidaturas apenas para prestigiar o “jogo democrático”. Em troca, buscam vantagens nas estruturas do Estado a partir de acordos “poucos republicanos”, que quase nunca se tornam públicos. Licitações dirigidas, compras suspeitas e mesmo políticas de governo feitas para beneficiarem determinados setores (como é o caso, por ex., da operação urbanística da “Nova Luz”, que era concebida e realizada em benefício da especulação imobiliária) são bastante comuns. Tudo isso negociado de forma bastante promíscua. As escolhas de um governo, dessa forma, são em muito reféns dos financiadores de campanha. Priorizam-se interesses apenas privados em detrimento das reais necessidades da população.
Um elemento importante que explica o curioso fato dos grandes meios de comunicação não tocarem nesse assunto é que eles são também custeados por essas empresas.
Daí surge a necessidade de um financiamento público de campanha. No primeiro plano, ela diminuiria ainfluência das elites econômicas nas campanhas eleitorais. Tornaria a esfera política, assim, mais democrática. Por outro lado, baratearia bastante as campanhas. Elas tenderiam a ser menos centradas em grandes peças publicitárias e, em consequência, o debate político real, de propostas e concepções, ganharia mais destaque.
Outro mecanismo fundamental para tornar as eleições e os partidos políticos mais ideologizados é o voto em lista fechada. Ao invés de votar num candidato individual, o que leva a relações de clientelismo personalistas, deve-se escolher um partido político. As vagas do parlamento seriam preenchidas proporcionalmente entre representantes desses grupos. Porque afinal, a centralidade dessa dinâmica deve estar nas ideias, propostas e programas a serem realizados, e não em rostos simpáticos ou trajetórias individuais. As siglas também deveriam indicar uma “ordem preferencial” dos nomes que seriam mais prioritários para essas legendas. Esses nomes teriam que ser escolhidos democraticamente por prévias entre os filiados. Isso democratizaria bastante as instâncias partidárias, visto que hoje a maioria dos diretórios possuem verdadeiros “donos”.
A participação política das mulheres nos parlamentos, hoje ínfima, deve também ser materialmente fortalecida. Os partidos políticos deveriam destinar 50% de sua lista fechada para mulheres. Os nomes femininos, nesse sentido, deveriam necessariamente estarem inscritos em ordem intercalada nessa ordem de preferências. Hoje, a lei obriga os partidos políticos destinarem 30% de suas candidaturas proporcionais a mulheres. Quando essa lei não é solenemente ignorada, os partidos inscrevem mulheres de maneira apenas formal, sem que elas possuam nenhum destaque em inserções no rádio e na TV, além de pouca ou nenhuma estrutura de campanha.
Outro problema grave de nossa democracia é a existência das chamadas “legendas de aluguel”. O Brasil hoje possui 30 partidos políticos (estima-se que até 2014 tenha 32). A grande maioria não possui nenhuma vidapolítica interna, nem é lastreada por nenhuma concepção ideológica ou programática. Além disso, seus dirigentes se perpetuam em seus postos: tornam-se meros feudos. Suas estruturas são montadas apenas para receber verbas públicas do chamado “fundo partidário”. No país, todos os partidos recebem uma cota oriunda do Orçamento público referente à sua participação no parlamento. A cota para partidos que não possuem parlamentares (a cota mínima, no caso) ultrapassa 100 mil reais anuais. Hoje todos partidos políticos possuem necessariamente tempo de rádio e televisão (fundamentais para quaisquer campanhas). Muitos deles costumam negociar seus apoios formais, então, com candidatos de partidos maiores em troca de dinheiro e de cargos num eventual governo. Fora o tacanho fato de cobrarem dinheiro de pessoas comuns para que eles possam se aventurar em campanhas eleitorais.
É imperativo nesse sentido que se desestimule o surgimento desses partidos fisiológicos por meio da cláusula de barreira. Não se trata de limitar o direito constitucional de livre organização ou de impedir o surgimento de novas forças políticas. O que se busca é que benefícios como o tempo de rádio e televisão, além do fundo partidário, sejam destinados a partidos que possuam representantividade popular. Legendas menores continuariam existindo, mas sem esses dividendos. À medida que efetivamente ganhem lastro social, essas organizações também teriam acesso a essas garantias. Na Alemanha, por exemplo, essa cláusula de barreira é de 5% do total de votos numa eleição nacional.
Essas são algumas das propostas de Reforma Política defendidas pelo nosso coletivo. Importantíssimo nos engajarmos para resolver questões que perepassam nosso cotidiano para além dos muros da Facvldade. O aprofundamento de nossa democracia é um desafio central de nossos tempos. Um coletivo político deve levar temas como esse para o debate dos estudantes. Sair das “picuinhas”, da “pequena política” e discutir o Brasil será uma de nossas marcas. ¡C!
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