segunda-feira, 15 de abril de 2013

Igualdade racial: uma tarefa que perpassa pela democratização da Universidade

“As ações afrmativas, portanto, encerram também um relevante papel simbólico. Uma criança negra que vê um negro ocupar um lugar de evidência na sociedade projeta- se naquela liderança e alarga o âmbito de possibilidades de seus planos de vida. Há, assim, importante componente psicológico multiplicador da inclusão social nessas políticas. A histórica discriminação dos negros e pardos, em contrapartida, revela igualmente um componente multiplicador, mas às avessas, pois a sua convivência multisecular com a exclusão social gera a perpetuação de uma consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, lançando milhares deles, sobretudo as gerações mais jovens, no trajeto sem volta da marginalidade social. Esse efeito, que resulta de uma avaliação eminentemente subjetiva da pretensa inferioridade dos integrantes desses grupos repercute tanto sobre aqueles que são marginalizados como naqueles que, consciente ou inconscientemente, contribuem para a sua exclusão.” (Min. Ricardo Lewandowski, Relator da ADPF 186)

O debate sobre a reserva de vagas nas Universidades brasileiras é pauta histórica e fundamental do movimento negro há décadas. Faculdade sempre foi sinônimo de privilégio em nosso país, não de direito universal. Frequentar o ensino superior, notadamente o público, era questão de classe e de herança. As cotas sociais com critério étnico-racial cumprem o papel de aprofundar a democracia material, garantindo igualdade de oportunidades no acesso à Universidade, porta de entrada para a formação humanística, social e técnica do estudante, escada para a ascensão ao mercado de trabalho.

No que tange ao debate jurídico, o STF decidiu em 2012 pela consonância das cotas, em específco o caso do processo seletivo da UnB, com a Constituição e os princípios que fundamentam a busca pela igualdade material. Na ADPF (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 186, movida pelo Democratas (de Demóstenes Torres, antigo PFL dos tempos do vice de FHC Marco Maciel, PDS de Maluf, e ARENA da ditadura civil-militar), o Supremo felizmente decidiu por unanimidade a constitucionalidade das cotas.

A Lei 12.711/2012, promulgada em agosto passado pela Presidenta Dilma, estabelece que nos vestibulares das Universidades Federais, a cada dois ingressantes,umvirádoensinopúblico.Dentro desse percentual, virá a reserva para negros e negras, indígenas na proporção numérica de cada estado. Medida imperativa, num país de quase 400 anos de escravidão formal que ainda não resolveu a questão da inclusão e do protagonismo de atores e agentes políticos negras e negros. Além disso, metade desses 50% tem que ter renda per capita familiar de até 1,5 salário mínimo. É uma proposta avançada, que transformará as universidades federais em um polo de multiculturalismo, de produção democrática de conhecimento.

Pesquisas de mérito acadêmico demonstram que o desempenho de cotistas é igual e muitas vezes superior ao do não-cotista. Por motivos óbvios: na maioria das vezes, é a única chance de tais setores da população, muitos comumente são os primeiros na história de suas famílias a estudar em uma universidade, de buscar ascensão social e uma vida melhor do que a de seus pais. Democratizar o acesso à ao nível superior é também distribuir renda e construir um Brasil minimamente mais justo.
Tal marco legal trata-se, sem dúvidas, de um avanço histórico signifcativo.

Infelizmente, o debate se atrasa no que se refere às estaduais paulistas. Hoje, seus exames não se coadunam com a realidade brasileira, com o projeto político que faz aprofundar a democracia e a cidadania no nosso país. Enquanto as cotas em universidades federais propulsionam mudanças positivas na sociedade brasileira, as universidades públicas de nosso estado infelizmente preferem reproduzir o elitismo tradicional. Assim a maioria dos ingressantes nos cursos mais concorridos continuam sendo aqueles que têm a oportunidade e a sorte de frequentar o ensino particular.

No fm do ano passado, o governo tucano de SP apresentou projeto que gera retrocessos ao debate das cotas. No plano fático, parece apenas aumentar os obstáculos ao acesso pelo vestibular. Estabelecer um curso antes da graduação, como hoje é previsto no projeto, é bastante estigmatizante. Pior: há um estímulo ao aprofundamento do preconceito, entende-se que o estudante negro da escola pública não teria qualifcações mínimas para acompanhamento dos cursos. Além disso ignora o fato de que os estudantes pobres, muitas vezes, têm a necessidade prática de trabalhar para complementar a renda de sua família, o que leva à maior escassez para tempo de estudo. O chamado “college” defendido pelo governo de São Paulo estimularia uma bastante possível evasão escolar no ensino superior.

Cumpre, a ver, um papel regressivo ao simular uma política de ação afrmativa, quando na verdade estimula a discriminação negativa, vedada no programa político constitucional. Vinda “de cima para baixo” pelo governo do estado, a medida ignora solenemente qualquer prévio debate com a comunidade universitária. São, também, passíveis de crítica as reitorias das estaduais paulistas por aceitarem a ingerência sobre sua autonomia universitária.

Importante afrmar que a mobilização dos estudantes, trabalhadores e professores, é fundamental neste processo. Aqui, no Largo, a Congregação da Faculdade, em feliz demonstração de diálogo às demandas dos estudantes, aprovou moção de apoio à implantação do critério étnico-racial no acesso à USP.

Ano passado, ainda que aprovada uma moção de apoio às cotas sociais e raciais no ensino superior público, a gestão laranja, apática e descomprometida com o debate político, não se preocupou em trazer essa discussão de modo qualifcado.

Vale a pena destacar a criação da Frente Estadual Pró-cotas, que foi partícipe da moção que defendia as cotas raciais e sociais na Congregação. Além disso, ela colaborou para a elaboração do projeto de lei 321/12 do deputado estadual Luiz Claudio Marcolino (PT/SP), em trâmite na Assembleia Legislativa. O projeto alternativo prevê que as instituições públicas de ensino superior do estado devem assegurar, por meio de seleção e classifcação fnal, que 20% das vagas oferecidas sejam destinadas a estudantes provenientes das escolas da rede pública e outros 20% a estudantes negros/as e indígenas. Em relação à USP, apenas 10% são negros (contando os autodeclarados pardos) ante ao fato destes serem 34% da população do Estado. Outro absurdo é que menos de 1/4 dos estudantes da USP se formaram no ensino médio público. ¡C!

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