A recente aprovação da chamada PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 66/2012, a chamada PEC das trabalhadoras domésticas, concedeu a essa categoria direitos como: jornada máxima de trabalho de 8 horas diárias (44 semanais); pagamento de hora extra (1,5 vez a hora da jornada regular); adicional noturno (1,2 a hora após 22h00, cf. Art. 73 da CLT); multa de 40% do FGTS sobre demissões sem justa causa; seguro-desemprego; vedação ao trabalho infantil; reconhecimento de acordos coletivos e proibição da discriminação salarial. Com efeito, está agora no Artigo 7º da CF (por força da Emenda nº 72/2013) a equiparação dos direitos para estas trabalhadoras, corrigindo uma injustiça histórica da Constituição de 88. Tal regulamentação também efetiva a aplicação da Convenção 189 da OIT (Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU), de valorização dos direitos humanos e de acesso ao trabalho decente.
As trabalhadoras domésticas
Cabe nos questionarmos por que essa categoria, que conta com 6,7 milhões de trabalhadores, demorou tanto pra conquistar esta equiparação em garantias mínimas. O fato de 93% dos trabalhadores domésticos ser mulher (uma em cada seis mulheres é doméstica) contribui com a invisibilização deste trabalho, vez que a mulher historicamente foi excluída do espaço político, público por essência, onde aprovam-se as leis. Fora deste espaço, essas trabalhadoras pouco se organizaram em sindicatos, também pela pulverização dos locais de trabalho. Pouco organizadas, assim, sua mão-de-obra sempre teve seu salário nivelado por baixo, sendo constante objeto de precarização das condições de serviço. Fato que se notabiliza pelo aumento de quase 50% em seus vencimentos nos últimos dez anos, fruto do aumento real do poder de compra do salário mínimo (70%).
Abolição 2.0
Circunscrito ao âmbito privado das relações, pouco valorizado economicamente, o trabalho doméstico no Brasil se mostra como um resquício de nosso triste passado escravista. Dentre os trabalhores domésticos, 62% são negros. E 60% não concluíram o Ensino Fundamental. O índice de formalização, em que pese o aumento geral das categorias em mais de 50%, desde 2003, é de apenas 54% entre os trabalhadores domésticos. Em São Paulo, o estado com mais trabalhadores domésticos registrados, essa taxa não chega a 40%. Em alguns estados do Norte e Nordeste não alcança sequer 10%. Estima-se que, no Brasil, 1 em cada 7 domésticos tem carteira assinada. Além disso, muitas vezes, o trabalho doméstico é – além de informal -, ilegal, uma vez que utiliza mão-de-obra infantil ou em condições análogas à escravidão.
As polêmicas de sua regulamentação
Apesar das conquistas que a PEC representa, alguns pontos ainda dependem de regulamentação. Criou-se uma Comissão Mista com o objetivo de apresentar proposta ao plenário da Câmara, possivelmente até o fim de maio e que se reunirá no próximo dia 9 deste mês. Consideramos o projeto apresentado pelo Deputado Carlos Sampaio (PSDB/SP) como regressivo, uma vez que propõe isentar da multa de 40% sobre o valor do FGTS o empregador que demitir sem justa causa, além da diminuição da contribuição patronal ao INSS de 12% para 5%, e para o FGTS de 8% para 4% (http://tinyurl.com/propostacarlossampaiopec). Além de onerar os cofres públicos cortando impostos que atendem à seguridade social, a proposição tem potencial para incentivar demissões, sem justa causa. Como disse a Relatora da PEC na Câmara, a Deputada Benedita da Silva (PT/RJ), o projeto de Sampaio é inconstitucional, uma vez que o escopo da PEC foi equalizar os direitos dos trabalhadores domésticos aos de todos os trabalhadores, corrigindo uma ignomínia presente na CF/88.
Há outras questões a serem reguladas, como o respeito à jornada de trabalho de 44 horas, que se mostra complicado pela privacidade do ambiente doméstico, e o caso do possível aumento do número de diaristas, que representa a precarização do serviço doméstico, hoje em vias de regulamentação. Há ainda quem defenda, caso do economista Márcio Porchmann, a extinção da relação direta entre empregadores e trabalhadores domésticos, com a criação de cooperativas para a efetuar a relação de trabalho de modo que haja maior garantia de efetivação dos direitos conquistados.
Evento quinta-feira, às 19h
Os desafios e as perspectivas da efetivação dessas garantias para as trabalhadoras domésticas compõem o tema da análise da Mesa que o Coletivo Contraponto promoverá nesta quinta-feira, 02 de maio, no Pátio das Arcadas. Com efeito, acreditamos que a PEC acabou com a distinção dos "trabalhadores de segunda categoria" e foi um marco da disputa da institucionalidade pelos movimentos. No mais, vale lembrar que a disputa no Legislativo continua pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo (de nº 438 na Câmara e tramitando no Senado), que altera o Art. 243 da CF ao expropriar sumariamente as propriedades rurais e urbanas em que forem detectados trabalho em condições análogas à escravidão.
Analisando as condições objetivas da questão do trabalho doméstico, pode-se ter também uma ideia sobre o debate acerca das estruturas econômicas de uma sociedade com forte traço patriarcal e machista, que reproduz muito de um racismo inerente a um país que não resolveu as questões materiais da abolição da escravatura, de maneira que Joaquim Nabuco é ainda atual ao afirmar, no início do século passado, que a escravidão seria uma característica intrínseca à sociedade brasileira.
Convidamos todas e todos @s estudantes e trabalhador@s para que compareçam ao evento e tragam suas opiniões para contribuir com a discussão! ¡C!
Convidados confirmados:
- Denise Motta Dau – Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres em São Paulo
- Jorge Luiz Souto Maior – Juiz de Direito e professor de Direito do Trabalho desta casa
- Maria Frô – professora, blogueira progressista, editora do site mariafro.com
- Maria Luiza da Costa - militante da Marcha Mundial das Mulheres e Assessora da Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores)
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